"Um indício de que nos tornamos vítimas do auto-engano é se ficarmos irados quando nossas crenças são questionadas. Em vez de ficarmos irados, é sábio manter a mente aberta e escutar com atenção o que outros dizem - mesmo quando temos certeza de que a nossa opinião está certa. - A Sentinela de 15 de julho de 2003, p.22

terça-feira, 30 de agosto de 2011

As Testemunhas de Jeová e o Ocultismo

“Uma verdade apresentada pelo próprio Satanás é tão verdadeira quanto uma verdade declarada por Deus.... Aceite a verdade onde quer que a encontre, não importa o que ela contradiga.”
- Torre de Vigia de Sião, Julho de 1879


A obra Dicionário de Religiões, Crenças e Ocultismo (2000 - Editora Vida), da autoria de G. Mather e L. Nichols, define 'ocultismo' como "o que está além da esfera do conhecimento empírico; o sobrenatural; o que é secreto ou escondido". Em seguida, classifica o estudo do ocultismo em três áreas distintas: (1) Espiritismo; (2) Cartomancia e (3) Magia. Vemos, pois, que trata-se de um conceito bem abrangente, sendo ainda objeto de discussão - acalorada, às vezes - o englobamento dessa ou daquela crença na definição ora proposta.
Não é tarefa fácil determinar historicamente o surgimento das crenças ocultistas. Sabemos, no entanto, que elas remontam aos primórdios da civilização humana, milhares de anos atrás. Uma das chamadas maravilhas do mundo antigo, a grande pirâmide egípcia de Quéops (2600 AC), no vale dos reis, é o mais expressivo monumento ocultista de que se tem notícia. As pirâmides representavam a crença egípcia na vida além-túmulo e o culto delas - ao contrário do que pensam muitos - não restringiu-se ao antigo Egito. A civilização Maia, na América Central, também notabilizou-se por suas enormes pirâmides de pedra, na região de El Mirador (400 AC). A influência das pirâmides sobre a cultura humana não terminaria por aí. Diversas seitas floresceram em torno delas e a pirâmide continua a ocupar lugar de destaque em inúmeras sociedades esotéricas até nossos dias.

                                       

A essa altura, é provável que o leitor esteja a se perguntar que relação pode haver entre o ocultismo e as Testemunhas de Jeová - questionamento mais do que justificável se considerarmos a política atual da Sociedade Torre de Vigia no que pertine às crenças e práticas ocultistas. A edição de 15/3/1984 da revista A Sentinela, pp. 28 e 29 (em inglês), diz:

"O Dilúvio obrigou os anjos desobedientes a se desmaterializarem e, agora separados da santa organização de Jeová, eles tornaram-se uma organização demoníaca invisível, sob o comando de Satanás (Efésios 6: 12) A fim de controlar a humanidade, eles usam espiritismo, necromancia, astrologia e outros meios ocultos. Embora incapazes de assumir forma humana novamente, eles freqüentemente tomam posse de pessoas, animais e coisas inanimadas tais como fetiches."

À base das palavras acima, o leitor naturalmente concluiria que em nenhum momento da história do movimento religioso conhecido como 'Testemunhas de Jeová' poder-se-iam encontrar quaisquer vestígios de crenças ou práticas ligadas ao ocultismo. Afinal de contas, o artigo acima condena expressamente tais coisas como estando inexoravelmente ligadas ao demonismo. Freqüentemente, as publicações das Testemunhas mencionam passagens bíblicas (tais como 2 Coríntios 6: 17) alusivas a práticas 'impuras', inaceitáveis entre os cristãos - deixando transparecer que estas jamais tiveram lugar entre seus membros. Contudo, tem sido realmente assim? Estiveram os líderes da Sociedade Torre de Vigia sempre a salvo de conceitos oriundos daquilo que hoje classificam como 'demoníaco'? Mais que isso, forneceu alguma vez o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová - a seu rebanho - "alimento espiritual" contaminado com crenças ocultistas? Estas certamente não são questões de pouca relevância. Uma retrospectiva histórica lançará uma No princípio do século 19, um pastor batista de New york, EUA, William Miller (nascido em Massachussets, 1782) dedicou-se ao estudo da escatologia - estudo das profecias sobre o 'fim do mundo' - buscando prever a data da segunda vinda de Cristo. A partir da leitura de Daniel 8: 14, onde se diz, "...Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado", Miller reacendeu a discussão de um tema já bastante controvertido - a habilidade, com base na interpretação das Escrituras, de prever eventos futuros, iminentes e espetaculares. Estavam assim lançadas as sementes do que se convencionou chamar Segundo Adventismo. O movimento das Testemunhas de Jeová guarda estreita relação com esta corrente, de modo que temos de estabelecer aqui nosso ponto de partida.


A interpretação dos livros bíblicos de Daniel e Apocalipse não era algo novo nos dias de Miller. Na verdade, estes textos tinham despertado o interesse de estudiosos de religião por séculos antes dele ter nascido, o que acabou por gerar toda uma corrente (quase contínua) de teorias interpretativas, começando com aquelas do Judaísmo do primeiro século, na pessoa do rabino Akibah Ben Joseph (50 - 132 DC), e passando pelo Catolicismo medieval, a Reforma e, finalmente, o Protestantismo anglo-americano do século 19. O primeiro estudioso cristão a fazer especulações proféticas sobre a vinda do Messias, servindo-se dos mesmos métodos de cálculo dos rabinos do primeiro século, foi Joachim de Flora, no ano de 1195 DC. Não seria o único - do início século 12 ao início do século 19, cerca de 35 autores continuariam a especular e propor datas para o cumprimento das profecias bíblicas. De modo que Miller foi um continuador, não o criador do milenarismo - a corrente religiosa cujo cerne consiste nos preparativos para o Reino de mil anos de Nosso Senhor, mencionado em Apocalipse 20: 4. Um longo desfile de especuladores sobre o "fim do mundo" - entre eles, Charles T. Russell - ainda se seguiria a Miller , anos no futuro, juntando-se a outras dezenas, antes dele. O conhecimento deste panorama histórico nos ajuda a compreender aquele que talvez seja o aspecto distintivo das Testemunhas de Jeová - a ênfase na escatologia milenarista - pois foi na efervescente atmosfera do período pós-millerismo do século 19 que o movimento teve seu berço.
Não é objetivo deste artigo descrever pormenorizadamente a história das interpretações de profecias bíblicas quanto à 'Segunda Vinda de Cristo'. Mencionarei apenas aquilo que julgar relevante na nossa reconstituição do panorama histórico-religioso onde floresceu a entidade que é alvo de nosso estudo. Para mais detalhes sobre o tema 'escatologia', inclusive aquela sustentada até hoje pelas Testemunhas de Jeová, recomendo a leitura da obra The Gentile Times Reconsidered [Os Tempos dos Gentios Reconsiderados], de autoria de Carl Olof Jonsson (3a. edição, Commentary Press, Atlanta). Trata-se de obra séria e profunda, produto de mais de uma década de pesquisas. Submete o assunto ao escrutínio histórico e põe por terra mitos.
Carl O. Jonsson - a escatologia em cheque
De volta aos trabalhos de Miller, ele utilizou o princípio do "dia-ano", mencionado explicitamente na Bíblia com referência apenas aos textos de Números 14: 34 e Ezequiel 4:6. Tal método começou a ser aplicado por rabinos judeus a outras passagens e foi formalmente estabelecido como princípio pelo rabino anteriormente mencionado, Ben Joseph. Assim, Miller "calculou" que os 2.300 dias de Daniel 8: 14 representavam 2.300 anos. Tudo de que precisava, então, era um ponto de partida. Ele adotou como tal o ano de 457 AC, data do regresso de Esdras do cativeiro. Contando, pois, 2.300 anos a partir desta data, Miller chegou ao ano de 1843 como aquele que veria o retorno de Cristo à terra. A previsão fora feita no ano de 1818. Posteriormente - em 1842 - ele publicaria um cálculo diferente, contando 2.520 anos, mas preservando a data-chave de 1843. Restava, portanto, pouco tempo antes que tal acontecimento extraordinário tivesse lugar. Qual o efeito de tais previsões sobre os contemporâneos de Miller?
O impacto de tal revelação foi bem além do que Miller poderia prever - crentes de diversas igrejas levaram tal previsão por demais a sério, sendo que muitos doaram suas propriedades, abandonaram suas atividades cotidianas e prepararam-se para recepcionar Jesus Cristo. No entanto, a data chegou e o tão aguardado evento não se deu. Miller, então, revisou seus cálculos e concluiu que errara em um ano, marcando o acontecimento para o ano seguinte, ou seja, 1844, mais especificamente para o mês de março. Tendo novamente decepcionado a si próprio e a seus seguidores - cerca de cem mil - Miller ainda faria uma última tentativa, marcando a vinda de Cristo para outubro daquele ano. Todavia, um novo desapontamento demoveu-o definitivamente da idéia de antever tal portentoso evento. Sobre isso, o próprio Miller escreve:
"Acerca da falha da minha data, expresso francamente o meu desapontamento...Esperamos naquele dia a chegada pessoal de Cristo; e agora, dizer que não erramos, é desonesto! Nunca devemos ter vergonha de confessar nossos erros abertamente." (O grifo é meu)
(A História da Mensagem Adventista, pág. 410)
Não se pode deixar de reconhecer humildade e candura nas palavras de Miller, ainda mais considerando que sua conduta, a partir de então, veio a corroborar suas palavras. Entretanto, involuntariamente, ele, por assim dizer, 'fez escola'. Miller acendeu um pavio que não podia apagar. Não obstante tivesse reconhecido seu erro, diversos de seus anteriores seguidores insistiram em marcar o dia para a vinda de Cristo, entre eles, os grupos liderados por Joseph Bates, Helen White e Hiram Edson, de cuja fusão nasceu a Igreja Adventista do 7o. Dia. Como passou Miller a encarar a escatologia que se seguiu ao seu trabalho? Ele diz:
"Não tenho confiança alguma nas novas teorias que surgiram no movimento..."
(A História da Mensagem Adventista, pág. 412)
Por fim, morreu Miller, no ano de 1849, aos 68 anos de idade. Apenas três anos depois, em 16 de Fevereiro de 1852, em Allegheny-Pensilvânia, nascia Charles Taze Russell, filho do casal Joseph L. Russell e Anna Eliza Russell. O jovem Charles foi criado como presbiteriano e passou a maior parte de sua infância entre as cidades de Allegheny e Pittsburgh, no estado onde nasceu. Sua mãe o encorajou, na infância, a considerar o ministério Cristão, mas faleceu quando ele tinha apenas 9 anos de idade. Sua educação foi modesta, a partir de escolas públicas e suplementada por estudos com tutores particulares. Seu pai, um comerciante experiente, treinou o filho para ser seu sócio nos negócios, função esta que Charles passou a desempenhar já aos 11 anos, em uma loja de confecções masculinas. Nesta época, parecia demonstrar mais talento para o comércio do que para a religião. Por força das obrigações de trabalho, ele acabou abandonando os estudos aos 14 anos e tornou-se, nos próximos anos, um próspero empresário no ramo de confecções, ampliando o negócio do pai até tornar-se uma cadeia de lojas. Apesar de sua criação como presbiteriano, veio a filiar-se à Igreja Congregacional, por esta estar mais de acordo com seus conceitos na época.
A despeito de seu sucesso como comerciante, o jovem Russell manifestava fortes pendores para a religiosidade. Ainda garoto, era um devoto Calvinista, tendo chegado ao ponto de afixar panfletos em lugares públicos, advertindo os infiéis sobre o fogo do inferno. Esperava, com isso, induzir os trabalhadores a mudarem seu estilo de vida. Agora, ao passo que Russell pertencia à Igreja Congregacional, seu pai voltara-se para o Adventismo. Aos 16 anos de idade, Russell passou a inquietar-se com relação a diversas doutrinas comumente aceitas em seu tempo. Ante a ineficácia de suas tentativas em converter 'infiéis' às suas crenças, acabou por perder a fé na Bíblia. Contudo, não conseguiria fugir por muito tempo daquilo que parecia ser seu talento natural. Uma certa noite, no ano de 1869, um acontecimento deu novo impulso em sua vida. Caminhando pela rua de uma de suas lojas, ouviu o som de um canto, um hino religioso, o qual atraiu-lhe a atenção. De onde provinha? De um culto Adventista. O pregador nesta noite era o pastor Jonas Wendell. O próprio Russell descreve o encontro assim:
"Como que por acaso, certa noite visitei uma sala poeirenta e mal-iluminada, onde eu ouvira dizer que se realizavam cultos religiosos, para ver se o punhado de pessoas que se reunia ali tinha algo mais sensato a oferecer do que as crenças das grandes religiões. Ali, pela primeira vez, ouvi algo sobre os conceitos dos Adventistas [Igreja Cristã do Advento], sendo o Sr. Jonas Wendell o pregador...Assim, reconheço estar endividado com os adventistas e com outras denominações. Embora a exposição bíblica feita por ele não fosse inteiramente clara,... foi o suficiente, sob a orientação de Deus, para restaurar minha abalada fé na inspiração divina da Bíblia..., embora o Adventismo não me tenha ajudado em nenhuma verdade específica, ajudou-me grandemente a desaprender erros, e assim me preparou para a Verdade."
(Watchtower, 1906, reimpressão)
Não se pode deixar de notar um certo paradoxo em que um sermão "não inteiramente claro" e que não continha "nenhuma verdade específica" pudesse servir de alicerce para a restauração da fé de alguém. A partir daí, Russell, com apenas 18 anos, formou seu próprio grupo independente de estudos, o qual acabou por formar um movimento à parte, elegendo-o, seis anos depois, como seu "pastor". Contudo, ele contou com a contribuição de outros dois adventistas, George Stetson e George Storrs. O primeiro era ministro do Adventismo Cristão e o segundo, ex-ministro da Igreja Episcopal e um dos fundadores do movimento 'União da Vida e do Advento' (com o qual veio a romper, tempos depois) e autor do periódico Bible Examiner [Examinador da Bíblia]. Destes dois, indubitavelmente foi Storrs o que mais influenciou as idéias de Russell.
George Storrs tinha estado envolvido com o movimento de William Miller, já mencionado anteriormente, mas dele afastou-se após os sucessivos fracassos nas previsões para a volta de Cristo. A partir da leitura de um tratado, em 1837, elaborado por um ex-pastor batista, Storrs veio a tornar-se adepto do 'condicionalismo', a saber, a tese segundo a qual o homem não possui uma alma imortal, mas os mortos estão inconscientes e à espera de ressurreição, sendo que imortalidade é um dom adquirido, sob a condição de que o ser humano o obtenha de Deus por meio de Cristo. Ele também advogava o ensino de que os mortos em ignorância, teriam uma oportunidade de se redimirem diante de Cristo por meio de uma ressurreição terrestre. Não é difícil, pois, saber de onde Russell obteve a matéria-prima para suas doutrinas da mortalidade da alma e da restauração do paraíso terrestre. É bem provável que Russell também tenha herdado de Storrs sua aversão por igrejas e organizações religiosas. Russell não seria o único a ser influenciado por Storrs. Há indícios que sua associação com diversos grupos religiosos - em especial, adventistas - tenha contribuído para que estes também tenham adotado a doutrina do 'condicionalismo'. De fato, ela está presente, até hoje, nas doutrinas da União da Vida e do Advento - fundada pelo próprio Storrs - da Igreja Cristã do Advento, da Igreja Mundial de Deus e, naturalmente, das Testemunhas de Jeová.
Não se deve subestimar o grau de influência de Storrs sobre o movimento Adventista, pois, além dos aspectos mencionados, há ainda um último legado dele a Russell - a piramidologia. Em 1876,o professor C. Piazzi Smyth - um astrônomo e piramidólogo anglo-israelita - publicou um artigo sobre este tema no periódico de Storrs, Bible Examiner. Algum tempo depois, o próprio Storrs escreveu artigos sobre piramidologia no periódico Herald of Life and the Coming Kingdom [Arauto da vida e da Vinda do Reino]. Na sequência, o "pastor" Russell, dedicaria, em 1897, um capítulo inteiro de uma de suas obras - o volume III de Studies in the Scriptures [Estudos das Escrituras] - ao significado das medidas da Piramide de Gizé quanto ao cumprimento das profecias bíblicas. Não seria o único. Por esta época, tais crenças grassavam entre diversos seguimentos do Segundo Advento.
É também digno de nota que o próprio Russell fala da convivência com George Storrs e Stetson como o tendo conduzido "passo a passo, a esperanças para o mundo, mais verdes e brilhantes" (Watchtower, 1906, pág. 3821). Em 9 de outubro de 1879, Stetson morreu e foi Russell quem realizou, a pedido, o sermão fúnebre. Seu falecimento mereceu, inclusive, menção na principal publicação de Russell, na qual ele se refere a seu colaborador e instrutor como "irmão de notável habilidade".
Em 1876, Russell faria um derradeiro e decisivo contato, do qual importaria mais alguns conceitos-chave que, somados aos anteriores, formariam o arcabouço de sua teoria doutrinária e a bandeira de sua cruzada missionária. Trata-se de Nelson Barbour, que, assim como George Storrs, também fora um seguidor de William Miller, e que, agora, liderava um grupo independente em Rochester, N. York. Sua publicação, Herald of the Morning [Arauto da manhã], chegou às mãos de Russell numa manhã de Janeiro daquele ano. Os conceitos ali expressos eram:
a) A vinda de Cristo seria invisível.
b) Cristo estava presente.
c) Esta presença havia acontecido em 1874.
Nenhum dos conceitos era novo. Já no século dezessete, Sir Isaac Newton lançou a idéia de uma "vinda invisível". Em 1856, Joseph Seiss - um pastor luterano da Pensilvânia, adepto da piramidologia - "burilou" estes conceitos, dividindo a vinda de Nosso Senhor em duas etapas, uma visível e uma invisível - idéia defendida até hoje pelas Testemunhas de Jeová. Em continuação, o cristadelfiano Benjamin Wilson, em 1844, passou a traduzir "vinda" [parousia] por "presença", em sua tradução da Bíblia, conhecida como Emphatic Diaglott. Um leitor das publicações de Barbour chamou-lhe a atenção para este fato e, a partir daí, ele adotou esta doutrina definitivamente.
Quanto a 1874, Barbour não deduziu tal data sozinho, mas com base em um artigo da obra Horae Apocalypticae, de autoria de Elliot, encontrada na biblioteca do Museu Britânico, em 1860. Mais adiante, examinaremos alguns pormenores deste assunto.
Assim sendo, em 1876, Barbour, quase 30 anos mais velho - com a mente repleta de idéias aparentemente herdadas de seu antigo mestre, Miller - foi convidado a um encontro com Russell, o qual aconteceu pouco depois em Filadélfia. Sobre este encontro, Russell falaria, mais tarde: "...Ele veio e a evidência me satisfez". Assim, ao final da reunião, o mais velho, Barbour, conseguiu convencer o mais moço, Russell, da correção de seus cálculos escatológicos. A partir daí, Russell, o qual tinha - segundo suas próprias palavras - "desprezado a cronologia por causa do uso errado dela pelos adventistas", ironicamente assumiu ele próprio, com base nas idéias de um adventista - Nelson Barbour - o "timão" do velho barco pilotado por William Miller, quase 60 anos antes dele, e naufragado há mais de 30 anos.
G. Storrs e N. Barbour - As maiores influências de Russell
         
O encontro com Nelson Barbour constituiu, sem dúvida, um divisor de águas na carreira do jovem Russell. Anteriormente voltado para a questão doutrinária sobre o sacrifício de Jesus Cristo e algumas crenças básicas secularmente aceitas pelas igrejas "organizadas", como ele dizia, as quais supostamente impediam o retorno ao Cristianismo simples do primeiro século, Russell, a partir deste ponto, enveredou pela mesma trilha de tantos outros, antes e depois dele. Paradoxalmente, talvez esta mudança tenha sido a maior força e, ao mesmo tempo a maior fraqueza de seu ministério. Debruçando-se sobre trechos distintos das Escrituras e aproveitando cálculos escatológicos já publicados - entre eles, o de John Acquila Brown, em 1823 e o de Nelson Barbour, em 1875 - Russell adotou o mesmíssimo princípio "dia-ano" dos rabinos do primeiro século, aplicando-os arbitrariamente a certas passagens bíblicas, até chegar a sua tríade de datas: 1799, 1874 e 1914.
A esta altura, é útil reconstituir a trajetória de Nelson Barbour, posto que fora ele que, por assim dizer, "passara o bastão" da escatologia a Charles Russell. Como já vimos, ele fizera parte do movimento millerista, tendo dele se afastado após o fiasco de 1844. De modo que, desapontado, passou a buscar outros alvos em sua vida. Viajou para a Austrália, onde trabalhou por algum tempo como mineiro. Em 1859, durante uma viagem marítima para os E.U.A. - como que não resistisse à sua inclinação natural - começou a reler as profecias bíblicas e pensou ter descoberto o erro de Miller, ou seja, o ponto de partida para a contagem dos "dias" da profecia de Daniel estaria errado em 30 anos. A data correta para a volta de Jesus Cristo seria 1874, e não 1844. Chegando a Londres em 1860, visitou a biblioteca do Museu de Londres e, lá, encontrou a obra Horae Apocalypticae e, nela, uma tabela com os cálculos do Reverendo Christophen Bowen, os quais levariam ao ano de 1874 como aquele que marcaria os 6.000 anos de criação do homem. Isto só reforçou as convicções de Barbour, no sentido de que seus cálculos, agora sim, seriam os corretos. Indiferente aos sucessivos fracassos daqueles que o antecederam, ele começou a divulgar seus achados, a partir de 1868 - época em que o jovem Russell vagava sem fé, um ano antes de assistir o sermão do pastor Jonas Wendell, o qual mudaria sua vida, e dois anos antes dele formar seu grupo de estudos.
Barbour publicou, então, diversos panfletos sobre sua teoria, incluindo o Evidences for the Coming of the Lord in 1873 [Evidências da Vinda do Senhor em 1873] , publicado em 1870, até o lançamento de uma publicação mensal, The Midnight Cry [O Grito da Meia-noite], em 1873, ou seja, apenas cerca de um ano antes da tão esperada data. Só que, assim como foi para William Miller e muitos que o antecederam, a chegada de 1874 nada trouxe, além de desapontamento. Todavia, o obstinado Barbour não se daria por vencido. Valendo-se da forma com que Benjamin Wilson vertia a palavra parousia (Mateus 24 : 37,39), referindo-se a Jesus Cristo, por "presença", e não "vinda", Barbour insistiu na correção de seus cálculos, não abrindo mão da data de 1874, mas mudando apenas a forma com que Cristo retornaria - invisivelmente. Deste modo - sustentava ele - Cristo estava "presente" desde 1874. Convicto da veracidade de tal evento, ao mesmo espetacular e, paradoxalmente, despercebido pelo mundo inteiro, no ano seguinte, 1875, Barbour mudaria o nome de sua publicação The Midnight Cry [O Grito da Meia-noite] para outro mais apropriado, Herald of the Morning [Arauto da manhã], o mesmo que - no ano de 1876 - chegaria às mãos de Russell e motivaria o encontro entre os dois. Não se pode negar que, vistas por este ângulo, as coisas ficariam mais convenientes, afinal, uma presença "invisível" é algo difícil de se atestar ou contestar...
Assim, ainda no ano de 1876, após o encontro com Barbour, Russell escreveu um artigo que foi publicado no periódico de George Storrs, ou seja, Bible Examiner, sob o título "Tempo dos Gentios: Quando Eles Terminam?". Neste artigo, ele defendia a tese de que os 2.520 "dias" da profecia de Daniel iam de 606 AC a 1914 DC, data em que findariam os assim chamados "Tempos dos Gentios" (Lucas 21: 24). Tratava-se de uma previsão inédita? Absolutamente não. Nelson Barbour já havia publicado a mesmíssima previsão no ano anterior, em seu periódico Herald of the Morning [Arauto da Manhã].
O ano de 1877 assistiu à fusão dos grupos de Pittsburgh - liderado por Russell - e de Rochester - liderado por Barbour. Os dois, com a cooperação de outro associado de Barbour - John Paton - iniciaram um trabalho de divulgação ombro-a-ombro, o qual se materializou na obra Three Worlds [Três Mundos], da autoria de Barbour, mas com o apoio intelectual e financeiro de Russell, o qual, também neste ano, publicaria o panfleto The Object and Manner of Our Lord's Return [O Objeto e Maneira da Volta de nosso Senhor]. Além disso, ele passou a aparecer como co-editor da publicação Herald of the Morning [Arauto da Manhã], ao lado de Barbour e Paton. Todavia, esta seria uma união que duraria pouco.
Um dos pontos que o livro de Barbour destacava era que o ano de 1878 seria marcado pelo arrebatamento dos 'santos' ao céu. Quando tais esperanças não se materializaram, ocorreu o primeiro cisma no ministério de Russell, com muitos deixando o movimento. Ao passo que Russell permanecia apegado à teoria da 'invisibilidade' - adotada após o fiasco de 1874 - este novo desapontamento exerceria sobre Barbour um efeito análogo ao que William Miller experimentara 34 anos antes. Não era de supreender que fôsse assim, já que se tratava da quinta desilusão religiosa em sua vida - 3 delas no seu tempo de millerista e 2 consigo próprio - coisa pela qual Russell, mais jovem e menos experiente, não passara. De modo que foi impelido em outras direções. Isto não tardou a produzir discordâncias doutrinais francas e abertas entre eles, o que culminaria com o rompimento da parceria.
No ano de 1879 - em meio a uma troca de acusações - Russell retirou-se oficialmente da sociedade , acompanhado de Paton, com o qual também romperia, tempos depois. Agora o então 'pastor' Russell achava-se financeira e mentalmente pronto para lançar as bases de seu próprio movimento, por meio da criação de um periódico - Zion´s Watch Tower and Herald of Christ´s Presence [Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo], datado de Julho de 1879. Esta publicação, anos à frente, passaria a se chamar simplesmente WatchTower [A Sentinela], a literatura mais popular das Testemunhas de Jeová. Cinco anos depois, Russell, registraria oficialmente a Zion´s Watch Tower Tract Society [Sociedade Torre de Vigia de Tratados de Sião] , na Pensilvânia. Esta corresponde atualmente à Watchtower Bible and Tract Society [Torre de Vigia de Bíblias e Tratados], em Brooklyn, New York, além da sede na Pensilvânia.
Zion's Watch Tower - o primeiro periódico de Russell
Durante o restante de seu ministério, até o ano de sua morte - 1916 - Russell apegar-se-á tenazmente à significância das datas 1799, 1874 e 1914, as duas últimas aprendidas com seu ex-parceiro, Barbour. E quanto à primeira?
Bem, até aqui, vimos que Russell, em seu encontro com Barbour, aceitara a tese da "presença" invisível de Cristo, desde 1874. Também vimos que, um ano depois de Barbour ter publicado tais doutrinas, ele reproduziu, em um artigo, a mesma tese, a qual apontava para 1914 como o fim dos "Tempos dos Gentios" . Quanto ao ano de 1799 - esta data foi altamente significativa para os estudiosos de profecias do século dezoito. Com quase um século de antecedência, o livro The Rise and Fall of Papacy [Ascensão e Queda do Papado], de autoria de Robert Fleming, previa a queda da monarquia francesa e do poder papal para 1794. Embora esta data não tenha sido de todo precisa, caiu bem dentro da Revolução Francesa (1789-1798), período aceito pela maioria os historiadores como um ponto de virada na história humana. Em razão disso, durante a revolução, o livro foi reimpresso na Inglaterra e na América. Em 1798, deu-se um acontecimento espetacular: o Papa foi deposto e exilado pelas tropas de Napoleão Bonaparte, parecendo confirmar a previsão de Fleming. Em vista do significado do poder papal para os dissidentes da Igreja Católica e os estudiosos de profecias bíblicas, o movimento adventista adotou, então, a data de 1798 como o começo do "tempo do fim", sendo mantida ainda hoje pelos Adventistas do 7o. Dia. Charles Taze Russell incluiu-se entre os que aceitariam este ponto da história como sendo biblicamente significativo, modificando ligeiramente a data para 1799.
Assim, com ideais de renovação cristã na bagagem, mais o combustível da escatologia milenarista, estavam lançadas as bases da cruzada missionária de Russell, a qual atravessaria a virada do século vinte, até nossos dias.
Neste ponto, julgo conveniente expor uma ordem cronológica dos eventos até aqui estudados, de modo a que você, leitor, possa estabelecer uma relação de causa e efeito desde os primórdios do adventismo até o início do ministério de Charles Taze Russell, o fundador do movimento das Testemunhas de Jeová:
1782- Nasce, nos E.U.A., William Miller, o futuro idealizador do Segundo Adventismo; antes, porém, ele se tornaria um pastor batista.
1798- As tropas de Napoleão Bonaparte capturam e exilam o papa, parecendo confirmar a previsão de Robert Fleming, feita quase um século antes. No futuro , diversos líderes do Segundo Advento, incluindo Charles Russel, considerarão tal evento como biblicamente significativo - o início do "Tempo do Fim".
1818- Miller prevê a Vinda de Jesus Cristo para 1843; milhares tornar-se-iam seus seguidores.
1823- John Acquila Brown publica, em Londres, um cálculo escatológico pioneiro - de 2.520 anos - partindo de 604 AC e chegando a 1917, como o fim dos "sete tempos" de Daniel, capítulo 4. Contudo, ele não relaciona tal data aos "Tempos dos Gentios" (Lucas 21: 24). Como seu cumprimento se situa quase um século à frente, não tem a mesma popularidade das idéias de Miller. Décadas no futuro, Nelson Barbour se servirá destes mesmos cálculos e, por sua vez, os transmitirá a Russell, que ainda nem nasceu.
1837- George Storrs, um ministro da Igreja Episcopal, lê o tratado de um ex-pastor batista (Henry Grew), e torna-se adepto da crença da alma mortal. Anos no futuro, ele exercerá forte influência sobre Russell - neste e noutros assuntos.
1840- Storrs deixa a Igreja Episcopal.
1842- William Miller publica suas previsões; Storrs torna-se seu seguidor ; Nelson Barbour também se juntaria ao movimento.
1843- A Vinda do Senhor não acontece e Miller refaz seus cálculos, transferindo a data para março do ano seguinte. Também neste ano, George Storrs cria o periódico Bible Examiner [Examinador da Bíblia].
Março de 1844- Novamente fracassa a previsão e Miller tenta, ainda mais uma vez, corrigir seus cálculos, marcando o retorno de Cristo para outubro daquele ano.
Outubro de 1844- Um novo fracasso faz Miller desistir por completo de estabelecer datas para a volta de Jesus Cristo e o início do milênio. Nelson Barbour, George Storrs, assim como muitos outros - desapontados - deixam o movimento. O primeiro "perde sua religiosidade" e vai para a Austrália, trabalhar como mineiro. O segundo, associa-se com outros grupos adventistas, até fundar o seu próprio - 19 anos à frente.
1849- Morre William Miller, deixando atrás de si um movimento de especulações proféticas sobre o Advento do Senhor, o qual prosseguiria por toda a segunda metade do século 19, até nossos dias.
1852- Nasce, na Pensilvânia-E.U.A., Charles Taze Russell, aquele que, um dia, se tornaria o fundador do movimento Estudantes da Bíblia - primeiro nome das Testemunhas de Jeová. Desde a infância, fora educado como presbiteriano e, anos depois, se afiliaria à Igreja Congregacional.
1859- Em uma viagem marítima de volta aos Estados Unidos, Nelson Barbour começa a reler as profecias e os trabalhos de Miller e conclui que seu ex-mestre errou em 30 anos.
1860- Barbour visita a biblioteca do Museu Britânico e, lá, lê a obra Horae Apocalypticae, concluindo que a volta do Senhor se daria em 1874, o ano 6000 da criação de Adão. Nesta época, Russell era apenas uma criança de 8 anos.
1863- George Storrs funda o movimento The Life and Advent Union [União da Vida e do Advento]. Enquanto isso, a fusão de três grupos de ex-milleristas origina o Adventismo do 7o. Dia. O pequeno Charles, com apenas 11 anos de idade, já trabalha junto ao pai em uma loja de confecções masculinas.
1868- Barbour começa a divulgar suas idéias sobre o ano de 1874; nesta época, o jovem Russell, com apenas 16 anos, perambulava, sem fé. Não obstante, toda a estrutura doutrinária e escatológica que ele, um dia, abraçaria, já estava formada - a partir das idéias de clérigos luteranos, batistas, metodistas, cristadelfos e adventistas.
1869- Após anos de sucessivos desapontamentos religiosos, os quais o tinham levado à perda de sua fé, o jovem Russell, então com 17 anos, reencontra sua espiritualidade, depois de assistir o sermão do pastor Jonas Wendell, em um culto adventista, improvisado em uma pequena sala de reuniões, na rua de sua loja.
1870- Barbour publica o panfleto Evidences for the Coming of the Lord in 1873 [Evidências da Vinda do Senhor em 1873] e The Midnight Cry [O Grito da Meia-noite]. Enquanto isso, Russell, então com 18 anos, forma seu grupo independente (Pittsburgh).
1871- George Storrs rompe com o próprio movimento que criou, a União da Vida e do Advento. Por volta desta época Russell faria contato com ele e absorveria diversos de seus conceitos, entre eles, a mortalidade da alma e a ressurreição terrestre.
1874- A previsão de Barbour não se cumpre e ele - diferentemente de seu antigo mestre, Miller - decide insistir com a data, alterando apenas a "forma" do "cumprimento" de sua previsão - "invisível".
1875- Nelson Barbour publica, em seu periódico Herald of the Morning [Arauto da Manhã], seus cálculos, partindo de 606 AC e chegando a 1914 como o fim dos "Tempos dos Gentios". Até hoje, a maioria das Testemunhas de Jeová supõe que fora Russell o pioneiro desta doutrina.
1876- Piazzi Smyth escreve um artigo sobre piramidologia no periódico Bible Examiner [Examinador da Bíblia], suscitando o interesse de George Storrs no assunto, o qual compartilhará seus achados com Russel. Ainda neste ano, um número do periódico de Barbour chega às mãos de Russell e eles se encontram. Deste encontro, eles se associam e passam a defender as mesmas idéias. Russell - que, até então, não se mostrava interessado em cronologia - publica, também no periódico de Storrs , uma matéria reproduzindo o mesmíssimo cálculo que Barbour publicara um ano antes.
1877- É lançado o livro Three Worlds [Três Mundos], de autoria de Nelson Barbour, com apoio de Russell. O livro proclama a esperança do arrebatamento celestial dos 'fieis' para 1878. Russel publica The Object and Manner of Our Lord's Return [O Objeto e Maneira da Volta de nosso Senhor].
1878- O tão esperado arrebatamento não acontece e Barbour, frustrado, desiste de novas previsões e revê a doutrina do resgate de Cristo. Russell discorda dele e insiste na teoria da 'invisibilidade'.
1879- Morre George Storrs. Também neste ano, Russell e Barbour se desentendem e a parceria chega ao fim; Russell cria o periódico Zion´s Watch Tower and Herald of Christ´s Presence [Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo]. A partir deste ponto, ele segue seu ministério sozinho.
1884- Russell funda oficialmente a entidade Zion´s Watch Tower Tract Society [Sociedade Torre de Vigia de Tratados de Sião]. A piramidologia e as datas 1799, 1874 e 1914 farão parte de suas pregações até sua morte, em 1916.
Segundo a obra mencionada no início deste artigo, a Maçonaria é a maior fraternidade "secreta" do mundo. Em um artigo de 1993, J. Scotch Horrell afirmou haver, naquele ano, cerca de seis milhões de maçons no mundo, aproximadamente o mesmo número de Testemunhas de Jeová, embora estes últimos - talvez em função de seu proselitismo de casa em casa - sejam hoje bem mais familiares à população em geral. Sabe-se que alguém se torna maçom apenas por ocasião de um elaborado ritual de iniciação e que só os membros dessa "irmandade" têm acesso à sua liturgia. A instituição orgulha-se de ter tido, entre seus adeptos, ilustres figuras da história, tais como D. Pedro I, George Washington, Voltaire, Beethoven, Napoleão Bonaparte, bem como importantes personagens da poesia. Segundo uma vertente histórica, a Maçonaria teria sido fundada na Inglaterra, em 1717, por um sacerdote anglicano e um huguenote (como eram chamados os protestantes na França), o que explicaria o fato de encontrarmos, entre os maçons, membros de denominações protestantes. Deveras, o vínculo histórico entre a Maçonaria e o protestantismo culminaria em um cisma na Igreja Presbiteriana do Brasil, em 1903, nascendo a Igreja Presbiteriana Independente - representativa dos setores protestantes contrários à Maçonaria.
O fundador do movimento "Estudantes da Bíblia" (mais tarde, 'Testemunhas de Jeová'), Charles T. Russell (1852-1916) cresceu em um ambiente presbiteriano, conhecendo diversos dos conceitos místicos comuns a sua época e cultura. Tomando-se isso em conta e considerando-se que a Maçonaria se diz supra-religiosa, é natural perguntar: teria o 'pastor' herdado uma formação religiosa sincrética - produto da atmosfera protestante norte-americana do século 19? Por enquanto, trata-se apenas de uma especulação, a qual os fatos históricos haverão de confirmar ou negar. Vejamos...
No início do século 20, Russell proferiu um exótico discurso intitulado - "Quem Pode Conhecer os Segredos de Deus?". No decorrer deste, ele declarou:
"... porque desejo chamar sua atenção para o fato de que o próprio Deus Todo-Poderoso é fundador de uma sociedade secreta... Ao longo da Era do Evangelho tem existido uma Igreja externa de Deus e outra Igreja verdadeira que estava oculta. O mundo já viu a Igreja externa, porém não a oculta... esta magnífica sociedade secreta que o Senhor organizou..."
Para aqueles que têm intimidade com os conceitos maçônicos tais palavras soam bastante familiares. Muito embora a Maçonaria, na atualidade, negue ser uma sociedade secreta, ainda assim admite o caráter sigiloso de seus símbolos e do reconhecimento mútuo dos membros de sua 'irmandade' ao redor do mundo. Ademais, não se pode negar o fato de que, ao público em geral, a Maçonaria é vista como uma instituição fechada ou secreta - exceto para os iniciados. Dessa forma, o termo 'sociedade secreta' dificilmente ajustar-se-ia ao vocabulário cristão, sendo mais facilmente associado ao jargão maçônico. Teria Russell escolhido tais palavras ao acaso? Ou as teria tomado emprestadas da Maçonaria?
Obviamente, não seria imparcial cogitar uma ligação entre uma pessoa e uma entidade tendo como base apenas uma expressão isolada - a qual poderia não passar de mera metáfora ou força de expressão. Se a declaração acima servisse de alicerce único para estabelecer uma linha de conexão entre Russell e a Maçonaria - sem dispor de outros indícios a apoiar tal hipótese - estaríamos diante de uma inconsistência notável. Todavia, não é este o caso. Prossigamos em nossa tarefa de reconstituir fatos passados.
Em Novembro de 1913, Russell proferiu outro discurso - não em uma congregação (ou 'eclésia', como chamavam-na) - mas na sede maçônica de Pasadena -California, no qual emitiu as enigmáticas palavras:
"Estou muito contente em ter esta oportunidade particular de dizer umas palavras sobre algumas coisas de comum acordo com nossos amigos maçons, pois estamos falando em um edifício consagrado à Maçonaria, e porque, ademais, nós também somos maçons. Eu sou um Franco-maçom livre e aceito... Eu creio que todos somos... Não vou falar nada contra a maçonaria... De fato, alguns de meus melhores amigos são maçons e eu reconheço que há certas verdades preciosas que são sustentadas em parte por nossos amigos maçons."
Proferir tais palavras hoje, da tribuna de uma congregação das Testemunhas de Jeová, acarretaria conseqüências gravíssimas - o orador seria levado a uma reunião judicativa e suas palavras seriam prontamente contestadas do púlpito. Contudo, na época e lugar em que Russell se encontrava, seriam perfeitamente aceitáveis. Como vimos, diversas pessoas eram (e muitas ainda são) simultaneamente membros de denominações protestantes e da Maçonaria. Portanto, não precisamos presumir que o 'pastor' estivesse meramente lançando mão de uma força de expressão criada, talvez, para 'ganhar' a confiança da assistência. A própria expressão usada por ele - "livre e aceito" - faz parte do jargão maçônico, indicando que ele estava muito bem familiarizado com esta instituição. De fato, Russell parecia apenas revelar mais uma faceta de sua complexa personalidade, sendo ele próprio, se não um 'iniciado' em sentido pleno, no mínimo, um simpatizante da Maçonaria, como muitos outros de seu tempo. Era comum. Isso explicaria facilmente a razão de ele não ter tido qualquer escrúpulo em proferir as palavras acima diante de uma atenta assistência. Não havia razões para "tropeço"- quer para os maçons quer para os próprios seguidores de Russell.
O pronunciamento do 'pastor' diante da comunidade maçônica não foi um evento secreto. Ao contrário, acha-se registrado, em sua inteireza, no compêndio 1913 Convention Report [Relatório da Convenção de 1913] dos 'Estudantes da Bíblia'.
  O Relatório da Convenção de 1913 - conteúdo embaraçoso
O discurso de Russell diante dos maçons contém palavras que vão muito além do que a Testemunha de Jeová mediana - hoje em dia - poderia suportar sem sofrer sérios abalos na fé que abraçou. Extraímos um trecho particularmente impressionante:
Tradução:
´É assim... O Grande Mestre Artífice da nossa Alta Ordem de Maçons Livres e Aceitos, o Senhor Jesus Cristo, lançou a fundação de tudo; como a bíblia diz, Outra fundação nenhum homem pode lançar que não aquela que está lançada, Jesus Cristo. Ele tem a fundação da alta e aceitável maçonaria, e tudo o que pertence a ela."
Diante das graves implicações da declaração acima, dificilmente uma Testemunha de Jeová hoje daria crédito a esta evidência - preferindo supor que se trata de uma fraude - até porque jamais ouviu uma só palavra ou leu uma só linha sobre esse discurso na literatura recente da Sociedade Torre de Vigia. É compreensível que aja assim, pois a maioria dos adeptos sequer conhece o compêndio acima citado e muito dificilmente teria acesso a algum exemplar remanescente dele após quase 90 anos. Por outro lado, a organização central parece preferir mantê-los em ignorância. É justamente tal lacuna que este artigo pretende preencher.
A tese segundo a qual o movimento dos 'Estudantes da Bíblia' era, em certa medida, herdeiro das crenças maçônicas não é nova. Ela já serviu de base para a publicação de um livro - The Watchtower and the Masons ('A Torre de Vigia e os Maçons'), de Fritz Springmeier, no qual o autor traça um curioso paralelo entre as duas entidades:
* Ambas usam o nome Jeová (ou um termo equivalente), embora a Maçonaria não se refreie de utilizar outros nomes.
* Ambas usam o termo 'Grande Arquiteto' (ou 'Projetista'), embora a Maçonaria dê mais ênfase a este termo.
* Ambas crêem que um Deus cedeu poder a um deus menor.
* Ambas crêem em uma vida futura para a humanidade - uma Idade Dourada (por acaso, antigo nome da revista Despertai!).
* Ambas enfatizam a contínua revelação ('novas luzes').
Poderíamos acrescentar aos pontos acima a existência de símbolos comuns às duas entidades, conforme veremos mais adiante. Outros autores consideram o movimento dos 'Estudantes da Bíblia' como nascido da fusão dos princípios e símbolos maçônicos com as idéias escatológicas do Adventismo anglo-americano. Examinaremos também esta hipótese.
Uma Testemunha de Jeová da atualidade - cremos - estaria pouco inclinada a considerar a análise do autor acima citado. Todavia, um exame minucioso dos símbolos usados ao longo do tempo pela Sociedade Torre de Vigia, bem como algumas de suas crenças, nos ajudarão a responder a uma pergunta crucial: tais símbolos ou crenças negam ou confirmam a hipótese de Russell ter sido um maçom? E, caso ele o tenha sido, que impacto isso teria sobre a vida de uma Testemunha de Jeová hoje?

                                                 A Cruz Coroada
Apenas nos anos 90, a Sociedade Torre de Vigia trouxe ao conhecimento de sua comunidade atual alguns dos símbolos utilizados pela organização ao longo de sua história. A publicação Proclamadores - encarregada dessa missão - expõe, na p. 200, um deles: a cruz coroada, presente em diversas publicações das Testemunhas até 1931. O livro classifica-a de 'símbolo decorativo', do qual a instituição abriu mão supostamente após o entendimento de que as ações - antes dos símbolos - deveriam identificar o cristão e após a 'descoberta' de que Cristo morreu em uma estaca única, não em uma cruz. Mas, tratava-se apenas de uma inocente "decoração"?
A partir deste momento, examinaremos as ocorrências da cruz coroada na simbologia de diferentes instituições, ao mesmo tempo em que buscaremos determinar a origem deste e de outros símbolos 'decorativos' empregados pelas Testemunhas de Jeová em seus primórdios.
Observemos as gravuras abaixo:
As três figuras representam claramente o símbolo há pouco mencionado - a cruz coroada. A primeira foi obtida da capa de uma revista A Sentinela de 1911, a segunda, do Fotodrama da Criação (1914) e a terceira é a foto de um adorno em forma de broche, comum naquele tempo. Os ramos em volta do símbolo não existiam no princípio, tendo sido introduzidos posteriormente (a partir de 1895) como representativos da 'dedicação'. Por volta dessa época, ao se exibir a cruz coroada, também eram comuns as palavras 'Sem cruz, não há coroa!". Isto significava que, sem a aceitação de que Cristo morreu por nós na cruz, tampouco a pessoa seria contada digna de ser herdeira dele como um dos 144.000 escolhidos. Os então 'Estudantes da Bíblia' costumavam portar o broche como símbolo de sua "unção". Todavia, segundo um membro da Grande Loja Maçônica da Pensilvânia-EUA, a cruz e a coroa representam a união entre igreja e estado. Por outro lado, a obra The Masonic Report ["O Relatório Maçônico"], de C. F. McQuaig (1976, p. 34), afirma que, na verdade, a cruz coroada tem para os maçons um significado fálico (sexual).
Façamos agora uma análise comparativa entre os símbolos cultivados por sociedades místicas diversas e aqueles usados pelas Testemunhas de Jeová ao longo de sua história. Conforme vimos, caso uma pessoa comparecesse a uma apresentação do 'pastor' Russell em 1914, veria à sua frente a cruz coroada na tela do "Fotodrama", tal qual exibida acima. Se, mais tarde, a mesma pessoa entrasse em um templo maçônico - lá mesmo, na Pensilvânia - encontraria o seguinte cenário:
Púlpito da Grande Loja Maçônica do rito de York - Pensilvânia (EUA)
Queira o leitor observar a figura no alto do palco, entre os lustres. Parece-lhe familiar? Não há dúvida de que se trata do mesmíssimo símbolo encontrado nas publicações e nos slides do 'pastor' Russell. Seria apenas uma coincidência - um ornamento comum a uma época - ou tal símbolo faz parte da liturgia maçônica? A resposta pode ser facilmente obtida da própria Maçonaria. Observemos as ilustrações abaixo:
As duas primeiras gravuras foram obtidas de sites franco-maçônicos americanos tradicionais, praticantes do assim chamado rito de York (pois há também o rito 'escocês'). A terceira gravura provém de uma loja maçônica italiana. Além da cruz coroada, vemos representadas a 'cruz de Constantino' (com a célebre declaração "Com este símbolo vencerás") e as espadas medievais. Examinemos agora duas fotos obtidas, respectivamente, do site oficial e de um CD dos antigos 'Estudantes da Bíblia', dos quais originaram-se as Testemunhas de Jeová:
Indiscutivelmente, o símbolo em questão é o mesmo - a cruz coroada. Isto significa que os atuais 'Estudantes da Bíblia' continuam fiéis à sua origem. A seguir, fornecemos o emblema maçônico de uma loja do rito de York:
                                                  
Repare o leitor que, ao centro do emblema, encontramos, mais uma vez, a cruz coroada, à frente do compasso, das espadas e do triângulo. Como a Maçonaria é bem anterior ao nascimento de Russell, é lógico que ele copiou o símbolo e o adaptou ao seu movimento religioso. Contudo, como obteria permissão ou faria jus a isso? Uma forma poderia ser - tendo obtido o mais alto grau da Maçonaria. Todavia, ela não é a única entidade a fazer uso deste e de outros símbolos. Examinemos também os símbolos de uma outra sociedade mística, os Rosacruzes. Há uma polêmica quanto à sua real origem. Uma corrente histórica atribui o nome da ordem ao seu suposto fundador, Christian Rosenkreutz (1378-1484). Cronologicamente, porém, a ordem Rosacruz é mencionada pela primeira vez na Alemanha, no século 12. Eis alguns de seus símbolos:
Aqui, mais uma vez, distinguimos a cruz coroada. Em face do exposto, não nos resta senão concluir que ela NÃO é apenas o 'símbolo decorativo' que a Sociedade Torre de Vigia menciona no livro Proclamadores, mas trata-se de um emblema do mais profundo teor esotérico, místico e espiritualista. E não é exclusivo da Maçonaria ou do Rosacrucianismo, mas tem papel destacado também na feitiçaria e em seitas místicas menores. Para exemplificar, encontramos um interessante achado na capa de um dos livros de Mary Baker Eddy (1821-1910), fundadora da "Igreja da Ciência Cristã" - surgida no mesmo país do movimento de Russell e apenas dois anos antes do nascimento da Sociedade Torre de Vigia. Assim como o 'pastor', ela também foi membro da Igreja Congregacional, antes de fundar a sua própria. Eis o símbolo a que nos referimos:
                                                        
Novamente surge a cruz coroada diante de nossos olhos. Ao redor dela - em vez dos ramos da Torre de Vigia ou do brasão da Maçonaria - há uma faixa com as inscrições "Curar os Doentes", "Levantar os Mortos", "Limpar os Leprosos" e "Expulsar Demônios". Concluímos, assim, que cada instituição preservou o símbolo básico da cruz e da coroa, complementando-o com adereços mais adequados à sua corrente ideológica. Em outras palavras, os 'modismos' da cultura em que se encontram os fundadores de movimentos religiosos incorporam-se à liturgia por eles criada, gerando pontos em comum entre as diversas instituições nascidas de uma mesma época e em um mesmo país, ainda que defendam ideologias distintas, até mesmo conflitantes. Esta tese é consistente com o fato de os diversos movimentos religiosos que ramificaram a partir do Adventismo norte-americano - entre eles, o de Russell - terem herdado de seu 'tronco' original a mesmíssima simbologia. Desse modo, indagamos: não deveria afligir a consciência de uma Testemunha de Jeová sincera o fato de o fundador de sua religião e diversos místicos - entre eles, Mary Baker Eddy - terem, por assim dizer, 'bebido da mesma fonte'?
                           A Armadura dos 'Cavaleiros Templários'
A cruz coroada não constitui o único símbolo místico adotado pelas Testemunhas de Jeová. Na verdade, estamos apenas no início de nossa jornada. Chamamos agora a atenção do leitor para o topo da capa de A Sentinela de 15/7/1930 (em espanhol):

                            
O leitor poderá ver uma gravura similar na p. 88 do livro Proclamadores. Vemos, à esquerda, nossa velha conhecida, a cruz coroada, e, à direita, um elmo medieval à frente de armas - uma espada, um machado e um bastão. Não é difícil determinar a origem deste símbolo. Trata-se de um emblema da Ordem dos Cavaleiros Templários - a sociedade medieval que supostamente deu origem à Maçonaria. Em uma visita a dois sites dos Cavaleiros Templários - inclusive o do Tennessee - EUA ( http://www.korrnet.org/f&am/kt.htm ), encontramos as seguintes figuras:
Chamamos a atenção do leitor também para o símbolo maçônico abaixo:
                                                   
Vemos uma rara representação da cruz coroada e da armadura medieval juntas num mesmo emblema (entre elas, a conhecida "cruz de Constantino"). Assim como a Maçonaria, o 'pastor' Russell usava ambas - elas apareciam na capa de seu principal periódico, a conhecida revista A Sentinela. O símbolo da armadura representa altas honrarias maçônicas - o mais alto nível do rito de York e o 33o. Grau do rito escocês, os quais indicam que o indivíduo atingiu o conhecimento total e o domínio total do rito. Corresponde à máxima glória à qual um maçom pode almejar. Teria Russell alcançado o título de 'venerável'?
É difícil crer que um leigo tivesse tanta familiaridade com estes símbolos esotéricos e sua profunda relevância na liturgia de sociedades místicas e religiosas. É, deveras, estranho que se selecione como 'decoração' o conjunto dos mais gloriosos símbolos esotéricos ao mesmo tempo em que se nega um vínculo com as instituições que lhes deram origem. Por outro lado, se admitirmos a iniciação de Russell na Maçonaria - conforme expresso por ele próprio - tudo fica muito claro. Prossigamos em nossa incursão pelos significativos símbolos já usados pelaSociedade que ele fundou...

                                       A Lâmpada Oriental
 Trataremos agora de um símbolo bem menos conhecido entre as Testemunhas de Jeová, porém não menos importante. O 'pastor' Russell produziu, entre os anos de 1886 e 1904, seis volumes de uma obra denominada Millennial Dawn ('Aurora do Milênio) - mais tarde chamada Studies in the Scriptures ('Estudos das Escrituras'). Estes compêndios tinham, para os então 'Estudantes da Bíblia' significado análogo ao que o 'Livro de Mórmon', de Joseph Smith (1805-1844), tem para os Mórmons ou os escritos de Helen Gould White (1827-1915), para os Adventistas do Sétimo Dia. Tal obra era sua 'bússola' espiritual, seu guia para o entendimento correto das escrituras sagradas. Isto é facilmente comprovado pela simples consulta a um artigo na edição de A Sentinela de 1/12/1916, segundo o qual ninguém poderia entender a Bíblia sem a orientação desses livros - 'Estudos das Escrituras' - e que a leitura exclusiva deles era preferível à leitura direta da Bíblia.
Pois bem, o leitor poderá encontrar uma foto da coleção do 'pastor' Russell na p. 52 do livro Proclamadores. Aqui reproduzimos o volume 3, ao mesmo tempo em que solicitamos ao leitor que procure reparar em cada detalhe da capa do livro:
                                                             
Concentremo-nos na figura abaixo do título Thy Kingdom Come - consiste em uma lâmpada oriental sobre uma Bíblia. Será mais um símbolo 'decorativo'? A um leigo, talvez. Contudo, em outra visita a um site dos Rosacruzes, fizemos mais uma interessante descoberta:
                                                              
Sim, eis novamente o símbolo da lâmpada oriental, também encontrado na Maçonaria. É usado como simples adorno? Longe disso! Trata-se de um símbolo de iniciação, relacionado à expressão "A luz vai aumentando graças ao Livro Sagrado" - palavras, aliás bem familiares às Testemunhas de Jeová, de acordo com sua aplicação de Provérbios 4: 18. Este entendimento serve de alicerce para a tese das assim chamadas 'novas luzes', ou seja, as mudanças doutrinárias bruscas observadas ao longo da história deste movimento religioso.
Mais uma vez constatamos a notável familiaridade de Russell com os símbolos esotéricos da Maçonaria. Seria apenas uma coincidência?
                                            O 'Disco Solar Alado'
Há pouco mencionáramos a obra 'Estudos das Escrituras', da autoria de Russell. Em 1917, foi lançado um volume póstumo intitulado The Finished Mistery ('O Mistério Consumado'), obtido das anotações do 'pastor' e elaborado por Clayton Woodworth - ninguém menos que o editor da famosa revista Golden Age ('A Idade de Ouro'), predecessora da mundialmente conhecida Despertai!. O leitor poderá encontrar a foto dessa obra na p. 88 do livro Proclamadores. Com a mudança de nome - de 'Aurora do Milênio' para 'Estudos das Escrituras' - também houve alterações na capa. Neste momento, pedimos, mais uma vez, a atenção do leitor para os detalhes encontrados nela:
                                                     
Observamos, no centro da capa, o 'disco solar alado'. Ele se encontrava na capa de todos os volumes de 'Estudos das Escrituras', tendo sido adotado pela Sociedade Torre de Vigia por volta de 1911. Na própria gravura do livro Proclamadores, mencionada acima, o leitor poderá observar a obra Pastor Russell´s Sermons ('Sermões do Pastor Russell '), a qual também continha o símbolo de que ora tratamos. O que poderia ser? Outro símbolo 'decorativo'? Absolutamente não! Na verdade, o 'disco alado' é uma representação egípcia do deus-sol Amon-Rah. Contém algum significado para as entidades que estudamos até agora? A resposta é sim. Eis algumas imagens colhidas dos templos rosacruzes e maçônicos:
À esquerda e à direita, vemos duas representações do 'disco solar alado', juntamente com as iniciais "AMORC" - Antiga e Mística Ordem Rosa Cruz. Ao centro, um amuleto maçônico exibindo o mesmíssimo símbolo esotérico. Suas raízes remontam à mitologia egípcia, sendo posteriormente incorporado à mitologia babilônica com representativo da deidade de nome Ahura Mazda. Os 'Estudantes da Bíblia' remanescentes preservam tal símbolo até a atualidade, fiéis que são à doutrina russellita. Além dos maçons, dos rosacruzes e dos russellitas, os adoradores de "Lúcifer" também vêem no disco alado grande significado. Examinemos a trajetória de um deles...
Edward A. Crowley (1875-1947) - mais conhecido como Aleister Crowley - um inglês que tornou-se famoso por sua obra ocultista Thelema, entrou em contato com a Maçonaria no início do século 20, tendo exercido forte influência sobre ela. Fascinado pelo esoterismo desde tenra idade, ele veio a tornar-se uma espécie de ícone entre os promotores do ocultismo. Até hoje seu nome é símbolo de mistério e magia. Crowley era, entre outras coisas, adepto do rosacrucianismo e satanista declarado, tendo estabelecido ordens místicas que persistem até a atualidade. Certas bandas de rock pesado têm, nas últimas décadas, expresso publicamente sua submissão espiritual a ele e retratam seus símbolos nas capas dos discos. Coube a ele consagrar o culto ao 'disco solar alado' nos templos que freqüentava, assim como coube a Russell introduzir o mesmo símbolo na comunidade dos 'Estudantes da Bíblia'. Na liturgia maçônica, Crowley é considerado como 'filho espiritual de Albert Pike ', tendo sido um dos fundadores da "Ordem Templária do Oriente". Segundo um membro da "Ordem Rosacruz", o símbolo do deus Amon-Rah - cultivado pelo místico inglês - representa um caminho de êxito para as 'obras' da entidade, estando presente em todos os seus templos. Pelo visto, os rosacruzes não eram os únicos, pois os 'Estudantes da Bíblia' também davam destaque a ele em sua literatura. Muito embora o 'pastor' Russell e o 'mago' Crowley jamais tenham se conhecido pessoalmente, é bastante significativo e, ao mesmo tempo, inquietante - para uma Testemunha de Jeová - que eles compartilhassem, na mesma época, o gosto por certos símbolos ocultistas. Ambos eram fascinados pelos segredos egípcios.
Aleister Crowley - pontos em comum com C.T. Russell
Transportemo-nos agora para os tempos do ministério de Russell. Caso um leitor dos livros dele visitasse um templo Rosacruz - ou mesmo a sala egípcia da Grande Loja Maçônica da Pensilvânia - teria diante de si um cenário familiar:
                                                       
O visitante, ao fitar o símbolo na parte superior deste altar, provavelmente lembrar-se-ia de já tê-lo visto em algum lugar. De fato, encontrava-se na capa de seu exemplar de 'O Mistério Consumado', o qual talvez estivesse conduzindo sob o braço. 'Como foi parar lá?', talvez se perguntasse. Bem, sabe-se que o 'disco solar alado' não pode ser usado indiscriminadamente por qualquer pessoa, sem permissão expressa. Afinal de contas, é um símbolo mais cultivado do que a própria cruz coroada, sendo exclusivo daqueles que alcançam o mais elevado nível espiritual da Ordem Rosacruz. Teria Russell selecionado tais símbolos ao acaso? Ou as informações obtidas até aqui são mais consistentes com a hipótese de alguém plenamente iniciado nos ritos esotéricos?
Até mesmo na atualidade, ainda restam vestígios deste passado comprometedor. Observemos a foto abaixo:
                                           
Reconhece o leitor o símbolo no centro desta fachada? Sim, é o 'disco solar alado'. Mas o que isso tem a ver com as Testemunhas de Jeová hodiernas? Bem, trata-se de um antigo cinema, em Queens - N. York, adquirido pela Sociedade Torre de Vigia e o qual tem servido por anos como salão de assembléias. Raymond Franz, ex-membro do corpo governante das Testemunhas de Jeová, menciona - em sua obra In Search of Christhian Freedom [Em Busca de Liberdade Cristã] (1999), pp. 274 e 275 - um curioso incidente relacionado com esse edifício:
"Eu me recordo que quando a Sociedade Torre de Vigia adquiriu um antigo cinema em Queens, New York, para uso como salão de assembléias, o cinema era cheio de antigos motivos egípcios... Quando a Sociedade restaurou o prédio, todos esses itens permaneceram intocados... Após alguns anos, uma irmã da República Dominicana... ficou chocada com os símbolos pagãos e expressou-me seu desapontamento, dizendo que ela nunca teria aprendido o significado dessas coisas se não fosse das próprias publicações da Sociedade... Eu me senti obrigado a escrever para o Presidente Knorr... [Ele] veio ao meu escritório e discutiu a matéria, dizendo que eram simples decorações... eu disse a ele que... nós tínhamos a obrigação de nos preocupar com o efeito adverso sobre outros, pois, se nós estabelecemos um padrão específico para as pessoas, então elas têm o direito de esperar que nós próprios vivamos segundo ele... Como eu já tinha percebido em tantos casos, os estridentes apelos às Testemunhas 'nas fileiras' , subitamente, tornavam-se capazes de grande afrouxamento quando os interesses da própria organização estavam envolvidos."
O depoimento acima é bastante revelador. Primeiro, mostra que os dirigentes da Sociedade estavam plenamente cientes da existência, no edifício adquirido para servir como local de reuniões cristãs, de muitos símbolos pagãos - os mesmíssimos usados pela organização no passado e agora repetidamente condenados em sua literatura. Segundo, que nada fizeram para removê-los por ocasião da restauração do prédio e, terceiro, que insistiam na frágil tese da 'decoração', a mesma utilizada para justificar o envolvimento das Testemunhas de Jeová, por décadas, com símbolos hoje classificados como 'satânicos'.

                                                  Selos da Sociedade
Em nossa jornada pela simbologia da Sociedade Torre de Vigia, passaremos a examinar seus selos oficiais, pois também neles encontramos indícios de influências ocultistas. Ei-los:
O selo à esquerda foi criado por Russell, em 1884, e o segundo selo foi adotado pelo terceiro presidente da Sociedade, Nathan H. Knorr, em 1956. Ambos constam basicamente de uma coroa circular em volta de uma torre de castelo medieval com uma paisagem ao fundo. No primeiro, a paisagem é de um nascer do sol no deserto e no segundo, uma região montanhosa sob um céu nublado. A faixa externa contém a razão social da entidade. A cercadura externa foi reforçada no segundo selo, dando-lhe um aspecto serrilhado. Agora, atentemos para os detalhes: no segundo selo, os dois pontos em forma de sol separando a inscrição Zion's Watch Tower e Tract Society foram substituídos por uma pequena estrela de cinco pontas - também conhecida como pentagrama. Trata-se de um antigo e conhecido símbolo ocultista, também venerado pela Maçonaria. Alguns têm sugerido que os triângulos pequeninos da cercadura poderiam ser uma alusão às pirâmides, tão apreciadas pelo fundador da entidade. Como a piramidologia foi abandonada em 1928 - conforme veremos, mais adiante - não se pode afirmar categoricamente que esta tenha sido a razão para a escolha dos adereços. Todavia, achamos conveniente consultar os selos das ordens esotéricas, a fim de avaliar se há similaridades. Vejamos:
O selo da esquerda pertence à Grande Loja Francesa (GLF), o do centro, à Grande Loja Nacional Francesa (GLNF) e o da direita, à Grande Loja Mista Universal (GLMN). Vemos que o aspecto é similar em certos detalhes: todos apresentam o pentagrama em diversas disposições, sendo que o terceiro o exibe exatamente na mesma posição em que ele aparece no segundo selo da Sociedade Torre de Vigia. O selo do centro exibe um escudo medieval com três torres de castelo. Examinemos agora o selo do Grande Colégio dos Ritos:
Vemos que a cercadura é idêntica ao do selo da Sociedade. Seria apenas uma coincidência? Certos símbolos de instituições francesas exibem até hoje alguns elementos oriundos dos ritos maçônicos, pois foram criados sob forte influência dos francomaçons. Desse modo, é razoável perguntar: em que se inspiraram os criadores dos selos da Sociedade Torre de Vigia?
Ela é a própria marca registrada das Testemunhas de Jeová, pois consta de seu selo e publicações até hoje e faz parte de seu próprio nome como instituição oficial - Sociedade Torre de Vigia. A entidade possui um logotipo em forma de torre, cabendo sanções civis sobre aqueles que o utilizarem sem sua permissão. Trata-se de apenas mais um símbolo 'decorativo', sem qualquer conexão com o paganismo? A resposta é, novamente, não! Os autores da publicação Proclamadores reconhecem que o uso religioso da torre é muito anterior a Russell:
"A expressão Torre de Vigia não é exclusividade dos escritos de Russell nem das Testemunhas de Jeová. George Storrs publicou um livro na década de 1850 intitulado The Watchtower... [A Torre de Vigia...]. Esse nome foi também incorporado no título de vários periódicos religiosos..." - Proclamadores, p. 48
O autor citado nesta nota - George Storrs - foi amigo pessoal e colaborador do 'pastor' Russell, tendo exercido grande influência sobre ele (conforme é admitido na mesma obra, em um quadro da página 46). Também é digno de nota que Storrs tenha sido uma das figuras mais importantes do Adventismo norte-americano, bem como adepto da Ordem Rosacruz. Embora não sejam citadas, as publicações dos Rosacruzes e dos Maçons certamente estão entre os 'periódicos religiosos' mencionados pelo livro Proclamadores - fato que facilmente poderia passar despercebido pelo leitor desta lacônica nota de rodapé. Por exemplo, vejamos o que diz a obra Dicionário da Franco-Maçonaria (Daniel Ligou - 1987 - página 1181, em espanhol):
"Torre de Vigia - Símbolo próprio da franco-maçonaria de pedra (torre redonda) e de madeira (torre quadrada ou poligonal)... A Torre representa a Palavra e tem um significado especialmente radiante. A luz brota de maneira circular e em todos os planos..."
Curiosamente, o texto acima parece descrever com precisão o facho de luz que emana da torre de vigia representada na capa da revista A Sentinela por cerca de 40 anos (de 1891 a 1391). Castelos e torres medievais - juntamente com armaduras - também fazem parte dos símbolos templários, conforme mostram algumas ilustrações, colhidas de sites ligados ao tema. É importante lembrar que a Ordem Templária é considerada precursora da Maçonaria. Observemos as figuras abaixo:
Vemos, à esquerda, a figura de um cavaleiro lendário em meio a uma paisagem sombria, onírica, com um castelo medieval ao fundo (site dos cavaleiros templários); no centro, a capa de A Sentinela de 15/7/1930, consistindo na gravura de uma torre medieval - também em um cenário sombrio, com janelas em forma de cruz -, e à direita, um brasão franco-maçônico no qual estão representadas diversas torres de vigia, em um padrão quase idêntico ao da capa da revista. Mera coincidência? Observemos agora duas outras figuras:
À esquerda, o logotipo atual da Sociedade Torre de Vigia; à direita, as ruínas de um castelo templário, na Itália. É possível, a esta altura, negar a grande similaridade entre certos símbolos esotéricos (medievais e maçônicos) e aquele adotado pela organização central das Testemunhas de Jeová e mantido (com algumas alterações) até hoje? Um passatempo bem comum entre nós, o jogo de xadrez, também tem sua origem nos temas medievais: rei, rainha, bispo, cavalo e, naturalmente, a torre. Nesse caso, de quem o 'pastor' Russell teria tomado emprestados o símbolo e o nome 'torre de vigia' - dos Adventistas ou dos Maçons? Ele aparentava ter intimidade com ambos.
                                                 Russell e as Pirâmides
Russell era homem extremamente criativo. Todavia, não foi original em muitas de suas idéias e superstições. Um exemplo clássico era sua fascinação por pirâmides. De quem a teria herdado? Bem, há duas fontes em potencial: o Adventismo e as sociedades esotéricas. Examinemos cada uma...
    
As pirâmides eram objeto de estudo por parte dos Adventistas, no século 19. Em 1876, o professor C. Piazzi Smyth - um astrônomo e piramidólogo anglo-israelita - publicou um artigo sobre a piramidologia no periódico Bible Examiner, de George Storrs, o associado de Russell que mencionáramos há pouco (Proclamadores, p. 46). Algum tempo depois, o próprio Storrs escreveu artigos sobre esse tema no periódico Herald of Life and the Coming Kingdom [Arauto da vida e da Vinda do Reino]. Não é difícil deduzir que ele e o 'pastor' compartilharam o estudo dessa matéria, pois o próprio Russell, dedicaria, em 1897, todo o capítulo 10 do volume III de Studies in the Scriptures [Estudos das Escrituras] ao significado das medidas da Pirâmide de Gizé quanto ao cumprimento das profecias bíblicas. Já publicamos uma foto dessa obra neste artigo, no tópico 'A Lâmpada Oriental'.
O livro Proclamadores, na p. 201, faz uma confissão do envolvimento de Russell com a piramidologia, muito embora procure atenuar a importância do fato por classificá-lo como um simples 'pensamento' dele por 'apenas' 35 anos. Mas, era realmente assim - um 'pensamento'? Ou era uma doutrina fundamental? Afinal, quanto destaque se deu à piramidologia no movimento das Testemunhas de Jeová - em um período, durante o qual se diz que Jesus Cristo estava a examiná-lo e aprová-lo? Este é o nosso próximo enfoque.
Conforme mencionáramos anteriormente, foi apenas na última década do século 20 que a Sociedade Torre de Vigia exumou alguns capítulos embaraçosos de sua história, por meio da obra Proclamadores (1993) - ainda assim, de uma forma bastante sucinta e por meio de eufemismos, como já comentamos. Entretanto, após o tema 'piramidologia' ser continuamente esmiuçado na internet - em forma de denúncias - a organização julgou conveniente abordar mais uma vez o 'romance' entre Russell e as pirâmides. Ante a impossibilidade de negar os fatos, amplamente apoiados em provas documentais, criou-se uma versão piedosa dos mesmos, colocados em um contexto de 'purificação espiritual'. Vejamos o que diz este curioso artigo em A Sentinela de 1/1/2000, p.9 :
"Em 1886, quando C. T. Russell publicou um livro que passou a ser chamado 'O plano Divino das Eras', este livro continha uma tabela relacionando as eras da humanidade com a Grande Pirâmide do Egito. Pensava-se que este monumento do faraó 'kufu' [Quéops] fosse a coluna mencionada em Isaías 19: 20... Que relação podia ter uma pirâmide com a Bíblia? Ora, por exemplo, pensava-se que o comprimento de certas passagens na Grande Pirâmide indicava o tempo do começo da 'Grande Tribulação' de Mateus 24: 21, conforme se entendia então. Alguns Estudantes da Bíblia ficaram absortos em medir certos detalhes da pirâmide para descobrir assuntos tais como o dia em que iriam para o céu!"
Mais uma vez os autores preferem a palavra 'pensamento', ao invés de 'ensino' ou 'doutrina'. Também o sujeito das orações é omitido ou obscurecido em alguns trechos pelas expressões "pensava-se" ou "entendia-se" - um recurso já consagrado pelas publicações das Testemunhas de Jeová ao abordarem partes indesejáveis de sua história. Quem 'pensava'? Quem 'entendia'? A resposta é uma só - A ORGANIZAÇÃO! E não só entendia como ensinava.
Vejamos agora a tabela à qual o artigo se refere:
Conforme mostra a figura, Russell criou um elaborado diagrama esotérico para a interpretação das profecias bíblicas. Ele pode ser visto na p. 162 do livro Proclamadores. Curiosamente, o texto ao redor da figura faz referência a ela sem dar uma só palavra sobre o significado do desenho em forma de pirâmide. Deveras, seria embaraçoso fazê-lo, pois nada representa tão bem a fusão da escatologia adventista com os símbolos maçônicos quanto esta tabela.
O artigo de janeiro de 2000 faz referência ao primeiro volume de 'Estudos das Escrituras', publicado em1886, o qual continha o diagrama acima. Em 1897, o recém-lançado terceiro volume - Venha o Vosso Reino - foi mais longe ainda, chamando a Pirâmide de Quéops de 'Testemunha de Jeová' (p. 320), mais de 30 anos antes de J. F. Rutherford - o sucessor de Russell - ter adotado este nome para os então 'Estudantes da Bíblia'. Todavia, o fascínio pelas pirâmides não pararia por aí. Em 1915, foi publicada pela organização uma obra de 438 páginas, quase homônima ao volume 1 -- The Divine Plan of Ages as Shown in the Great Pyramid ("O Plano Divino das Eras Como Mostrado na GRANDE PIRÂMIDE") -- provavelmente de autoria de Morton Edgar -- uma edição de visual mais atraente do que o primeiro volume de Russell e totalmente inspirada no livro dele. Eis a capa:
Aqui, novamente, distinguimos a figura de uma pirâmide. Seria justificável o lançamento de mais um livro sobre o tema, caso se tratasse apenas de um 'pensamento' individual de Russell? A propósito, o estudo das pirâmides estava entre as 'verdades preciosas' em comum com os 'irmãos maçons', diante dos quais o 'pastor' discursou em 1913.
Em 1914, se uma pessoa comparecesse ao 'Fotodrama da Criação' (Proclamadores, pp. 56 e 57), veria, em um dos slides, a seguinte imagem:
Trata-se da esfinge egípcia, tendo ao fundo a Grande Pirâmide de Gizé. A essa altura, desnecessário é frisar a importância destes monumentos para o 'pastor' Russell. Caso a pessoa, em seguida, entrasse em um templo Rosacruz ou maçônico, se depararia com o seguinte cenário:
Percebe o leitor a similaridade? Não parecem as duas imagens provir de um mesmo ambiente? No entanto, a primeira imagem era exposta ao público como 'alimento espiritual' oriundo do cristianismo, livre de contaminações pagãs.
Até mesmo na arquitetura da Sociedade Torre de Vigia podemos encontrar indícios de seu passado envolto em piramidologia. Observemos a foto abaixo:
Este prédio foi construído em 1927 por J. F. Rutherford . Se repararmos bem, notaremos, no alto da fachada, uma série de adornos em forma de pequenas pirâmides. Seria apenas uma coincidência?
Para concluirmos este tópico, apresentaremos a prova definitiva do profundo envolvimento de Russell com a piramidologia. Trata-se de seu túmulo:
Este maciço monumento em forma de pirâmide jaz ao lado dos restos mortais de C. T. Russell há mais de 80 anos. Contém o nosso já conhecido símbolo da cruz coroada, bem como o nome 'Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados'. Saberia o leitor identificar as edificações ao fundo? Pois trata-se do grande complexo maçônico de Pittsburgh. Ao que tudo indica, não poderia haver vizinhança mais apropriada.
Uma pirâmide de pedra era, inquestionavelmente, uma homenagem honrosa para o 'pastor' Russell, pois, em vida, nenhum outro objeto esotérico exerceria tanto magnetismo sobre ele, tendo-o motivado, inclusive, a viajar milhares de quilômetros para conhecer pessoalmente a Grande Pirâmide de Gizé . Eis as fotos dessa tour mística, realizada em 1912:
Na primeira foto, vemos Russell e sua comitiva defronte ao grande monumento egípcio - a 'bíblia de pedra' como era chamado. Na segunda foto, o 'pastor' recebe ajuda ao escalar os degraus da Grande Pirâmide. Após sua peregrinação a este lugar 'sagrado', ele aproveitou a ocasião para proferir seu célebre discurso "Uma Testemunha de Deus - a Grande Pirâmide do Egito" - publicado em A Sentinela de junho de 1912. Suas palavras devem ter tido forte efeito sobre aqueles de seu tempo. Russell apegou-se ferrenhamente a tal crença até sua morte, em 1916. O monumento fúnebre no Cemitério Rosemont (em Pittsburgh) preservou no tempo a 'marca registrada' do russellismo, resistindo até hoje como prova insofismável dela.
Ante o peso das evidências, a organização defende-se por enfatizar que abandonou a piramidologia em 1928 - o que é verdade. Contudo, é difícil aceitar - de acordo com a doutrina atual das Testemunhas de Jeová - que, durante o assim chamado período de inspeção de Jesus Cristo (1914 - 1918), tenha ele dado seu 'carimbo' de aprovação aos 'Estudantes da Bíblia', fazendo 'vista grossa' a um envolvimento tão patente com aquilo que a organização hoje chama de 'satânico'.


A postura do 'pastor' Russell para com a astrologia era um tanto contraditória. Muito embora não a advogasse explicitamente - e até a contestasse - ainda assim, lançou mão, em certas ocasiões, de um linguajar tipicamente astrológico. Não era uma coisa rara entre os adventistas, com os quais Russell associou-se regularmente. Um exemplo clássico desse período se encontra na revista Zion's Watchtower [Torre de Vigia de Sião] de 1/5/1903, págs. 130 e 131 (em inglês):

Nós questionamos seriamente todas as declarações da astrologia; ainda assim, o que se segue - qualquer que seja a fonte das sugestões, até mesmo do próprio adversário - parece marcadamente verdadeiro quanto às nossas expectativas baseadas na Palavra do Senhor. Apenas por essa razão nós o publicamos como segue:... Quando Urano e Júpiter se encontrarem no signo benigno de Aquário em 1914, a era há muito prometida terá tido um belo começo na obra de libertar os homens na busca de sua própria salvação e assegurará a realização final dos sonhos e ideais de todos os poetas e sagas da História."

Aqui, vemos o uso das posições astrológicas como instrumento de persuasão quanto à correção dos cálculos de Russell, os quais apontavam para a presença de Cristo desde 1874 e para 1914 como a data do 'fim do mundo'. É também digno de nota que o 'pastor', mesmo reconhecendo que tais declarações podiam provir do 'adversário' - presumivelmente, o diabo - ainda assim, tenha se sentido à vontade para publicá-las simplesmente por estarem em sintonia com suas 'expectativas'. Nesse caso, indagamos: se o leitor examinasse um artigo falando do "signo benigno de Aquário" e das posições de 'Urano' e 'Júpiter', teria alguma dúvida quanto à natureza do assunto? Não encontramos tais expressões até hoje nos horóscopos? Entretanto, isso não é tudo...

Caso uma pessoa comparecesse ao 'Fotodrama da Criação', veria o seguinte quadro:


Neste slide vemos representadas todas as posições do zodíaco. Elas serviam como reforço para as previsões futurísticas de Russell. Na verdade, a escatologia dos 'Estudantes da Bíblia' consistia em um 'tripé' - as profecias bíblicas, as medidas da pirâmide e as posições dos astros. O fascínio por estes últimos não terminaria aí.

O 'pastor' já havia publicado, anos antes, seu terceiro volume da série 'Estudos das Escrituras'. Nele, Russell citava Joseph Seiss, um pastor luterano - adepto da piramidologia e da astrologia - o qual publicou, em 1877, a obra O Milagre em Pedra ou a Grande Pirâmide do Egito. A citação dizia:

"Alcyone, então, tanto quanto a ciência tem sido capaz de discernir, pareceria ser 'o trono da meia-noite', no qual todo o sistema de gravitação tem sua base central e de onde o Todo-Poderoso governa o universo.".

Qual o significado dessas palavras? Vejamos...

Em 1915, a revista Zion's Watchtower de 15 de junho (p. 185) publicou um artigo mais pormenorizado sobre o tema:

"... a Ciência Declara que há um Centro muito mais poderoso, ao redor do qual estes incontáveis milhões de sóis giram, acompanhados por seus planetas e satélites. Este grande Centro parece estar associado com as Plêiades, particularmente com Alcyone, a estrela central desse renomado grupo. Por essa razão, tem se sugerido que Plêiades pode representar a Residência de Jeová, o lugar de onde Ele governa o universo. Este pensamento dá nova força à pergunta que o Todo-Poderoso fez ao patriarca Jó: ' És tu que atas as doces influências de Plêiades, ou soltas os laços de Órion? Podes fazer sair as constelações do zodíaco em suas estações?' - Jó 38: 31,32 Parece haver menos estrelas no Norte do que em qualquer outra parte dos céus. De modo que o Norte parece ter recebido uma posição muito proeminente... Nas Escrituras, o Norte parece associado bem de perto ao governo de Jeová sobre a terra."

O artigo acima refere-se à crença de que Deus habitava uma estrela - Alcyone - a qual pertencia à constelação de Plêiades. Além disso, um ponto cardeal - o Norte - recebia igual destaque. Como vimos, Russell não foi nada original, tendo tomado emprestadas as idéias de um pastor luterano - Joseph Seiss - o qual, por sua vez, as obteve de um escritor anterior a ele, Piazzi Smyth, já mencionado em nosso artigo. É interessante que Russell recorresse à Bíblia a fim de reforçar essas teorias. Causou-lhe, sem dúvida, enorme empolgação a determinação do 'endereço' de Deus. Anos à frente, em 1925, a edição de 15 de agosto da revista A Idade de Ouro [atualmente Despertai!] afirmaria que a cidade celestial de Sião também estava associada à estrela principal de Plêiades.

"Plêiades" - a 'casa' de Jeová?

O sucessor de Russell - J. F. Rutherford - herdou de seu mestre o gosto pelos astros. Uma prova disso foi o artigo que ele lançou já na edição de 10 de setembro de 1924 de A Idade de Ouro [atualmente Despertai!], pp. 793 e 794, o qual dizia:

"... a posição de Plêiades ao tempo da conclusão da Grande Pirâmide do Egito, a 'Testemunha de Pedra de Deus', é uma proeminente característica desta construção no centro da terra do Egito. Por essa e outras razões, os 'Estudantes da Bíblia' têm boa razão para crer que na região de Plêiades está localizado o trono de Jeová Deus... Se algum lugar no espaço, dentro de Plêiades, é o trono de Deus, então esse grupo é merecedor de nosso mais reverente estudo."

Aqui são endossadas as idéias do mesmíssimo autor que Russell destacara em seus artigos - Joseph Seiss. Pelo visto, a empolgação com os corpos celestes continuava de vento em popa na sede dos 'Estudantes da Bíblia'.

Muito embora Rutherford levasse ainda mais quatro anos para discernir o que outras instituições cristãs há muito percebiam - o caráter profano da piramidologia - o 'reverente estudo' em torno de Plêiades perduraria por mais trinta anos - até 1953, quando uma publicação da Sociedade Torre de Vigia admitiu que ver uma estrela como o 'trono de Deus' poderia levar a uma 'veneração' pelos corpos celestes. Dessa forma, mais um capítulo embaraçoso da história das Testemunhas de Jeová era selado - mas não para sempre.

Toda essa excitação em torno dos astros, por mais de meio século, remete-nos à passagem bíblica em Deuteronômio 4: 19:

"Quando levantares os olhos para o céu, e vires o sol, a lua, as estrelas, e todo o exército dos céus, guarda-te de te prostrar diante deles e de render um culto a esses astros..."



Sem dúvida, o dia 31 de outubro de 1916 caiu como uma bomba sobre a comunidade de 'Estudantes da Bíblia'. Naquela data fatídica, seu mestre C. T. Russell exalou o último suspiro a bordo de um trem no Texas. Segundo o livro Proclamadores, p. 64, um clima de profundo pesar e desorientação abateu-se sobre os membros da Sociedade Torre de Vigia. Era compreensível, pois, conforme diz o próprio livro, "durante toda sua vida Russell tinha sido 'a Sociedade' ". De fato, durante décadas o 'pastor' exerceu um autêntico 'papado' entre seus seguidores. Além de ser o acionista majoritário da Sociedade - portanto, a maior autoridade civil - sua palavra era, em questões doutrinais, sempre a última. Por anos, sua literatura alimentou a crença de que ele era o 'servo fiel e prudente' de Mateus 24: 45. Menos de dois meses após sua morte, a edição de 1/12/1916 de A Sentinela, p. 357, reafirmava tal crença, sendo que sua reimpressão, p. 6159, foi mais longe ainda, comparando Russell ao apóstolo Paulo. Não eram palavras precipitadas ou emitidas sob forte emoção, pois, sete anos mais tarde, a edição de 1/3/1923 ratificou tais idéias, chamando o 'pastor' de 'escolhido'. Perante tais declarações, não é de admirar que surgisse um desmedido culto de personalidade em torno da pessoa de Russell. Evidentemente, um rebanho órfão, carente da figura de seu líder, precisava de um consolo. Este não tardaria a vir.

Já no ano seguinte ao óbito de Russell - 1917 - a famosa publicação The Finished Mistery [O Mistério Consumado], em suas páginas 144 e 256, trouxe as emocionantes palavras:

“Este verso (Revelação 8:3) mostra que, embora o Pastor Russell tenha transposto a cortina [ou morrido], ele ainda está dirigindo cada aspecto do trabalho de colheita... Nós sustentamos que ele supervisiona... o trabalho a ser feito”


Perceba o leitor que o texto não faz uso de retórica. O autor não diz que o "ânimo", o "espírito empreendedor" ou a "coragem" do falecido estavam entre os 'Estudantes da Bíblia' ou que estes se entregavam ao seu ministério com o mesmo "zelo", "diligência" ou "à moda de seu líder". Não, o comentário é feito no tempo presente e na terceira pessoa - 'ele' está, 'ele' supervisiona. E não foi uma declaração isolada. No mesmo ano, a edição de 1 de novembro de A Sentinela (p. 6161, reprints] ratificaria esta crença:

“Então nosso querido Pastor, agora em glória [morto], está, sem dúvida alguma, manifestando profundo interesse no trabalho de colheita, e Deus lhe permite exercitar uma forte influência em razão disso.”

Aqui vemos palavras praticamente idênticas, no mesmo tempo e na mesma pessoa. Não Deus, mas Russell 'está manifestando profundo interesse'. Não sua mensagem, mas ele exerce 'forte influência'. Cremos que o texto não deixa margem para se evocar o uso de uma metáfora. Nem seria preciso, pois, ambas as declarações estavam de pleno acordo com a crença da época, de que Russell, imediatamente após sua morte, seria arrebatado ao seio de Jesus Cristo, afinal ele era um 'escolhido'. Uma prova concreta disso pode ser vista até hoje na inscrição gravada em seu monumento fúnebre em forma de pirâmide:


Ao lado do tradicional símbolo da cruz coroada, os dizeres - Risen with Christ ["Levantado com Cristo"]. Portanto, o entendimento era: Russell vivia no plano espiritual e exercia influência direta nas ações da comunidade de 'Estudantes da Bíblia'. Nesse caso, um Testemunha de Jeová poderia se perguntar: qual é, essencialmente, a diferença entre essa crença e a crença espírita de que os mortos estão ativos no mundo espiritual e participam nas atividades dos vivos? Ou a crença católica de que os 'santos' podem intermediar entre os cristãos e Deus?

Este não é o único incidente envolvendo a Sociedade Torre de Vigia e as crenças relativas ao mundo dos espíritos. Seu segundo presidente - J. F. Rutherford - teve uma gestão marcada por reviravoltas doutrinárias e artigos polêmicos, alguns dos quais provocaram sucessivos 'rachas' no movimento, o que suscitou a mudança de nome da entidade para 'Testemunhas de Jeová', em 1931. Rutherford, gradualmente, transferiu para si, senão o prestígio, no mínimo, a autoridade que por anos era exclusiva do falecido 'pastor'. Deveras, durante sua presidência, coube apenas a ele a prerrogativa de legislar sobre questões doutrinais maiores. O compêndio The Messenger ["O Mensageiro"], de 21/7/1931, estampou fotos de Rutherford e, no rodapé, o título de 'líder visível' dos 'Estudantes da Bíblia', uma honraria que só não superava a de seu antecessor. Coube a ele a tarefa de negar a crença anterior sobre as 'atividades' do morto Russell:

"Ninguém da companhia do templo seria tão tolo ao ponto de concluir que algum irmão (ou irmãos) que em alguma época esteve entre eles, e o qual morreu e foi ao céu, está agora instruindo os santos na terra e dirigindo-os em sua obra." -Jehovah (1934), p. 191 (em inglês)

Aparentemente, a organização chocava-se agora frontalmente com os ensinos que ela própria advogou fervorosamente, anos antes. Se os 'Estudantes da Bíblia' tinham sido 'tolos', quem os induzira a agir assim? Contudo, este entendimento não permaneceria para sempre incólume. Em 1989, a publicação Revelation - Its Grand Climax is at Hand! ["Revelação - Seu Grande Clímax Está Próximo!"], p. 125, afirmaria:

"É apropriado que, então, aquele entre os 24 anciãos, representando ungidos já no céu, instigasse o pensamento de João... (Revelação 7: 13, 14a) Sim, aquele ancião poderia encontrar a resposta e dá-la a João. Isto sugere que os ressuscitados do grupo dos 24 anciãos podem estar envolvidos na comunicação de verdades divinas atualmente."

Ao que tudo indica - desde 1989 - considerar que alguém que morreu e foi ao céu esteja se comunicando com os vivos não é mais tão 'tolo' assim...

A exemplo de seu antecessor, Rutherford era homem de mente fértil. Coube a ele introduzir não só o nome, como a maioria das crenças atuais das Testemunhas de Jeová, diversas delas em choque frontal com o que ensinava o 'pastor' Russell. De onde provinha tal 'conhecimento'? Deixemos que o próprio Rutherford responda:

"O Juiz Rutherford fala, não a opinião dele, nem a de ninguém." - A Idade de Ouro de 28/3/1934, p. 396

"Sem dúvida, o Senhor usa seus anjos para fazer com que a verdade seja publicada em A Sentinela... Certamente, Deus guia seu povo pactuado por usar os santos anjos para levar sua mensagem a ele. - A Sentinela de 1/2/1935, p. 41

Esta declaração apresenta um nítido contraste com o ensino que o Espírito Santo - não os anjos - serviria de 'ajudador' aos cristãos (João 14: 26). Bem deixemos, novamente que o próprio Rutherford explique o ponto:

"Por seu espírito, o espírito santo, Jeová Deus guia ou lidera seu povo até um certo tempo, e assim ele fez até o tempo em que 'o confortador' foi retirado... em 1918." - Preservação (1932), pp. 193 e 194

"...1918... naquele ano o Senhor Jesus chegou ao templo de Jeová Deus. O espírito santo, o qual tinha sido o guia do povo de Deus, tendo cumprido suas funções, foi retirado..." - Salvação (1939), pp. 216 e 217
"Ao invés dos servos serem impelidos à ação pela operação do espírito santo como ajudador, as Escrituras parecem ensinar claramente que o Senhor instrui seus anjos sobre como agir e eles agem sob a supervisão do Senhor, conduzindo o restante na terra no que diz respeito à linha de ação a tomar. - A Sentinela de 1/9/1930, p. 263

"Estes anjos são invisíveis aos olhos humanos e estão lá para levar as ordens do Senhor. Indubitavelmente, eles primeiro ouvem a instrução que o Senhor lança ao seu restante e então os mensageiros invisíveis passam tal instrução ao restante." - Vindicação III (1932), p. 250

"Deus usa anjos para instruir seu povo agora na terra" - A Idade de Ouro de 8/11/1933, p. 69

Estava claro - os anjos serviam agora de mediadores entre Deus e a Sociedade Torre de Vigia. Até 1930, a organização ensinava que apenas o espírito santo podia prover o entendimento das escrituras, porém, desse ano em diante, a iluminação supostamente provinha dos anjos. Contudo, QUEM estava à frente dos ensinos que eram divulgados naquele tempo? Quem os redigia? A resposta é uma só - J. F. Rutherford. Isso não se pode negar, pois todos os livros dessa época levam a assinatura dele. Somos obrigados a deduzir, então, que os anjos revelavam as 'verdades' a ele e apenas a ele. Como prova deste ponto, vejamos o que dizia a revista A Idade de Ouro de 2 de Setembro de 1931, p. 793:

"Todo leitor de A Idade de Ouro sabe que nós consideramos os livros do Juiz Rutherford os mais importantes do mundo."

Fariam sentido tais palavras se as Testemunhas de Jeová não cressem que os escritos de seu presidente provinham de uma fonte superior, sobrenatural? Estava ou não envolvida a comunicação com o mundo espiritual?

J. F. Rutherford - comunicação com 'anjos'?

Vemos assim que Rutherford afirmava não ter a iluminação do Espírito Santo desde 1918, ficando inteiramente dependente da comunicação de anjos. Tais fatos têm levado alguns críticos do movimento das Testemunhas de Jeová a considerar que as declarações de Rutherford faziam dele - conscientemente ou não - um médium espírita, afinal de contas, a comunicação com anjos é parte integrante da liturgia do espiritismo, o qual vê os anjos como espíritos superiores, iluminados. Todavia, o livro Proclamadores, p. 708, diz:

"Aqueles que compõem a única genuína organização cristã hoje não recebem revelações angélicas nem inspiração divina... Jeová os conduz ou guia a esse entendimento por meio de seu espírito santo."

Em outra publicação (Despertai! de 22/5/1971, p. 28, em inglês), a organização acrescenta:

"Sim, a Bíblia mostra que não há apenas anjos bons, mas também iníquos."


Todas essas contradições certamente suscitam as seguintes questões:

a) Se o espírito santo - de acordo com a doutrina atual das Testemunhas de Jeová - é o responsável pela revelação da palavra de Deus e, tendo Rutherford declarado que este mesmo espírito havia sido removido desde 1918, então quem guiou a Sociedade Torre de Vigia entre os anos de 1918 e 1942?

b) Se foram anjos que transmitiram informações ao segundo presidente da organização, então que espécie de anjos eram esses - os 'bons' ou os 'iníquos'?

c) Se atualmente é o espírito santo que guia a Sociedade Torre de Vigia, mas - de acordo com os artigos da década de 30 - ele havia sido removido em 1918, então por que ele se retirou e quando foi que retornou?

d) Afinal, quem era Rutherford - um iluminado, um lunático ou um impostor?

Declarações exóticas não eram exclusividade do segundo presidente da Sociedade Torre de Vigia. Nesse respeito, ele tinha companhia à altura, a saber, a pessoa a quem ele nomeou para editor da revista A Idade de Ouro em 1919 - o Sr. Clayton Woodworth, o qual tinha um passado envolto em comunicações com espíritos e possessões demoníacas. Como sabemos disso? Pelo próprio depoimento dele, registrado no compêndio 1913 Convention Report [Relatório da Convenção de 1913], mencionado no início deste artigo:

" Eu gostaria de falar a vocês sobre uma coisa que eu certamente jamais pretenderia mencionar nesta convenção. Eu presumo que todos vocês tenham feito o voto; talvez alguns não o tenham feito... Então meus problemas começaram. Eu comecei a orar e a lutar ao meu próprio modo com as Escrituras. Após alguns meses, as Escrituras aparentemente começaram a abrir-se... Houve um tempo, durante cinco noites consecutivas em que eu não dormia; daí, chegou um tempo em que a tensão era demais; minha mente ficou desequilibrada e eu fiquei diretamente sob a influência de espíritos maus, tanto que, por três dias, eu estava completamente sob controle demoníaco, tanto quanto a Sra. Eddy estava quando ela escreveu 'Ciência e Saúde'.

Tais palavras certamente teriam forte impacto sobre a assistência se hoje fossem proferidas em um daqueles depoimentos pessoais realizados nas assembléias das Testemunhas de Jeová. Não era diferente em 1913 - isto pode-se perceber pela relutância inicial de Woodworth em prosseguir relatando sua experiência. A Sra. Eddy que ele menciona é Mary Baker Eddy - a fundadora da Igreja da Ciência Cristã, a qual também adotava o símbolo da 'cruz coroada'. Pois bem, teria C. Woodworth se 'curado' de suas experiências 'demoníacas' após sua conversão ao movimento 'Estudantes da Bíblia'? Embora uma Testemunha de Jeová hoje prefira crer que sim, faria bem em considerar o que o linguajar dele na literatura da organização parece sugerir. Vejamos, por exemplo, o estranho comentário dele no livro The Finished Mistery ['O Mistério Consumado'], em 1917:

"Tem você profunda apreciação por esta obra? Está você convencido que ela é do Senhor - preparada sob sua orientação? Tem você, cuidadosamente e com oração, lido os comentários em Revelação 7:1? Então agarre-se à verdade, a qual é propósito de Deus conceder brevemente às mentes de muitos de seus pequeninos até que se abra um campo de batalha, no qual os anjos caídos serão julgados, e a maneira com que enfrentaremos os testes provará nosso merecimento por coroas, ao mesmo tempo em que provará que estes espíritos desobedientes não são merecedores de vida em plano algum. Isso é algo com o qual alguns, mas não muitos, estão familiarizados... sem uma experiência real é praticamente impossível conceber a intensidade de tais lutas... a base do cérebro é presa com em um torno. Interpretações da Escritura, ingênuas, mas desencaminhadoras além de descrição, são projetadas dentro da mente como água que sai de uma mangueira. Visões podem ser experimentadas, maravilhosas iluminações da mente como que por uma suave, mas gloriosa neblina esverdeada ou amarelada. Sugestões sedutoras podem ser feitas, de acordo com as circunstâncias do ambiente. Ofertas de inspiração podem ser feitas. O privilégio de dormir pode ser retirado por dias a fio. Tudo isso com o objetivo de forçar o desgraçado a, pelo menos, uma insanidade temporária... a mente pode ser invadida por pensamentos desprezíveis além da conta. Então lembrem-se do voto."

É difícil supor que alguém, em pleno gozo de suas faculdades mentais e completamente sóbrio, emitisse os comentários acima sem por em dúvida sua sanidade ou condição mental. De fato, as palavras de Woodworth parecem psicodélicas e realmente atestam a natureza de suas experiências pessoais. Como uma Testemunha de Jeová receberia hoje tais palavras se fossem publicadas em um artigo de A Sentinela? Considerá-las-ia como normais, próprias do cristianismo ou prontamente as identificaria como contaminadas com ocultismo?

Os comentários de Woodworth sobre Revelação 7:1 são, na verdade, uma referência a artigos do 'pastor' Russell, publicados em exemplares de A Sentinela - datados de 1911 e 1914 - e diziam respeito aos dramáticos acontecimentos previstos para aquela época. Uma das citações dizia:

"Há apenas um modo, tanto quanto podemos discernir, pelo qual esses anjos caídos podem ter um julgamento, consistindo em ter uma oportunidade mais ampla para pecar, se assim desejarem, ou uma oportunidade para mostrar, caso desejem, que eles estão fartos do pecado e querem retornar à harmonia com Deus... chegamos à conclusão de que o julgamento desses anjos caídos está em um futuro próximo; talvez já tenha começado para alguns." - O Mistério Consumado (1917), p. 124

A doutrina acima é realmente bombástica, pois abre uma perspectiva inimaginável para o cristianismo ortodoxo - a reabilitação de demônios!
C.J. Woodworth - 'Possessões demoníacas'???

Há um episódio que ilustra bem a crença de Woodworth em 'demônios honestos'. Trata-se de um compêndio desconhecido para a maioria das Testemunhas de Jeová hoje em dia - Angels and Women [Anjos e Mulheres], de J. G. Smith, enfaticamente recomendado pela edição de 30/7/1924 de A Idade de Ouro. Consiste, na verdade, em uma revisão de uma obra psicografada em 1878. 'Psicografado' é um termo do vocabulário espírita utilizado para designar um texto ditado por espíritos e escrito por meio de um médium. O revisor da obra era um 'Estudante da Bíblia', identificado - na p. 702 da revista - apenas como "um amigo pessoal do Pastor Russell e que estava próximo a ele em seu trabalho". O texto diz:

" 'ANGELS AND WOMEN' é o título de um livro recém-lançado. É uma reprodução e revisão da novela 'Seola', a qual foi escrita em 1878, e que trata de condições anteriores ao dilúvio. O Pastor Russell leu esse livro com muito interesse e pediu a alguns dos irmãos que lessem por causa de sua notável harmonia com o relato das Escrituras sobre os filhos de Deus no sexto capítulo de Gênesis."

O que o autor do artigo acima deixou de revelar diz respeito precisamente à origem do livro. Vejamos o que dizia seu prefácio:

"O revisor deste livro é de opinião que o manuscrito original foi ditado para a mulher que o escreveu por um dos anjos caídos, o qual desejava retornar ao favor divino."

Anjos e Mulheres - Obra psicografada

A doutrina de Russell sobre 'anjos caídos retornando ao favor divino' começava a dar frutos. O editor de A Idade de Ouro - C. Woodworth - aderiu tenazmente a este ensino. Este fato, aliado ao seu passado místico, tornou a nomeação dele um fator decisivo na contaminação da literatura da Sociedade Torre de Vigia, décadas à frente, com crenças ocultistas. Deveras, além do endosso a uma obra psicografada, diversas 'terapias' esotéricas - como as 'Reações Eletrônicas de Abrams ', a osteopatia e outras - 'povoaram' diversos números da revista da qual ele era editor-chefe, A Idade de Ouro.

Não tardariam a surgir questionamentos por parte dos leitores das publicações da Sociedade contra aquilo que entendiam como promoção do demonismo. A edição de 3/12/1924 de A Idade de Ouro publica uma interessante troca de correspondências entre a Sociedade e um de tais leitores descontentes. Entre outras coisas, ele dizia:

"Eu fiz algumas indagações e foi-me dito que ['Anjos e Mulheres'] era um livro que um anjo caído ditou a uma mulher, demonstrando o desejo de retornar à harmonia com Deus e que o Pastor Russell aprovou o livro. Eu nunca tinha ouvido falar deste livro antes. Já que nós devemos evitar tudo o que se relacione ao espiritismo, eu gostaria de saber com certeza se o livro tem sua aprovação..." - W. S. Davis, Los Angeles, California

Agora a organização não podia mais afirmar que não sabia da origem do livro. Vejamos a resposta da redação de A Idade de Ouro:

"Quanto a ser uma violação do juramento ler este livro, tal idéia não merece consideração. Não seria mais errado lê-lo do que ler 'O que as Escrituras Dizem sobre o Espiritismo' ou 'Falando com os Mortos', pois estes dois livros falam bastante do que os espíritos maus fazem. Muitos têm obtido bastante benefícios a partir da leitura de 'Anjos e Mulheres' porque este ajuda a adquirir uma visão mais clara sobre como Satã logrou anjos e a raça humana, causando estrago entre homens e anjos. O livro ajuda a ter um melhor entendimento da organização do diabo."

Cremos que as palavras acima dispensam comentários adicionais e servem como poderoso argumento contra as seguintes palavras:

"Já que não praticamos espiritismo, estamos livres da dominação dos demônios" - A Sentinela de 15/3/1992, p. 20

É o caso de perguntar - da dominação dos demônios maus ou dos 'honestos'?



Nem sempre os leitores insatisfeitos da publicação A Idade de Ouro foram tão solícitos. Sabe-se de, pelo menos, um episódio que teve graves conseqüências. Trata-se do caso de Roy Goodrich, uma zelosa Testemunha de Jeová que, durante a era Rutherford, combateu obstinadamente o endosso da Sociedade Torre de Vigia a 'terapias' e dispositivos, os quais, segundo o entendimento dele, estavam inexoravelmente ligados ao ocultismo. Tudo começou nos anos 20, quando a edição de 22/4/1925 (p. 454) de A Idade de Ouro apresentou a seguinte matéria:

"...A Biola Eletrônica de Rádio, a qual significa vida renovada por ondas de rádio ou elétrons. A Biola automaticamente diagnostica e trata doenças pelo uso de vibrações eletrônicas."
As primeiras décadas do século 20 foram marcadas pelo charlatanismo em assuntos médicos. Toda sorte de 'geringonça milagrosa' ou 'terapia revolucionária' ocupava as páginas da imprensa. Foi a 'era de ouro' dos charlatões e 'magos'. Convidamos o leitor a aprofundar-se nessa matéria visitando o endereço http://www.geocities.com/torredevigia/medicos.htm . Pois bem, o artigo acima citado representa o endosso da Sociedade Torre de Vigia a uma das terapias esotéricas em moda naquela época. Já na edição de 2/2/1921 (p.260) de A Idade de Ouro, Clayton Woodworth atribuía a descoberta do elemento radium à revelação dos 'anjos caídos' de que já tratamos neste artigo. Neste artigo, ele chega a afirmar - referindo-se aos demônios - que "até os mentirosos falam, às vezes, a verdade". A seguir, na edição de 23 de junho do mesmo ano (pp. 606 e 607), deu ampla publicidade a uma tal 'almofada rádio-solar', com a qual Rutherford havia se tratado com êxito de uma pneumonia. A partir daí, instalou-se uma busca febril pela nova 'máquina' - chamada 'osciloclasto', 'dinamizador' ou 'biola'. Seu inventor, Albert Abrams, lançou a pitoresca teoria das 'Reações Eletrônicas de Abrams' - ou ERA, como ficou conhecida. O dispositivo baseado nessa 'teoria' supostamente era capaz de diagnosticar doentes em exame direto ou à distância, pelo uso de uma foto, uma amostra de sangue e coisas assim. Algo semelhante à hidroscopia - uma prática ainda comum em certas partes do mundo, na qual a pessoa, fazendo uso de um pedaço de madeira em forma de 'Y', tenta captar as 'vibrações' dos lençóis freáticos e localizar água subterrânea.

Albert Abrams - para a ciência, um charlatão,
para a Torre de Vigia, um sábio

A partir de 1928, após familiarizar-se com a ERA, Roy Goodrich concluiu tratar-se de puro ocultismo, tais como as pranchetas Ouija, e iniciou uma campanha solitária contra os dispositivos baseados nesta teoria pseudo-científica e - segundo ele - demoníaca. Isto lhe custaria sua excomunhão. Em sua obra Demonismo e a Torre de Vigia (1969), ele relata sua experiência:

"Por quase dois anos eu tinha tentado ser ouvido pelo Juiz Rutherford ou por alguém na sede central, para pararem com a promoção do demonismo na revista 'A Idade de Ouro' e por representantes da Sociedade; o tipo de coisa - descobri - à qual pioneiros 'fracos' estava aderindo... Tudo o que eu tinha conseguido era uma repreensão do juiz Rutherford... Da convenção da Filadélfia, em novembro de 1929, eu viajei para Brooklyn com o objetivo definido de conseguir uma audiência com o Juiz. Após breves cumprimentos e formalidades, [ele] falou: 'Bem, irmão Goodrich, o que você tem em mente?'; quando eu mencionei o nome 'Abrams', ele exaltadamente respondeu: -'Foi para isso que você veio até aqui?!' Com igual força e entusiasmo, eu repliquei, 'Já chega, senhor!!! O que, em sua opinião, é mais perigoso para os ungidos de Deus: o espiritismo ou o alumínio?' "

Aqui, Goodrich estava se referindo à famosa campanha da Sociedade Torre de Vigia contra o alumínio, empreendida nos anos 20 e 30. Ele via uma estranha lógica em uma organização que, mesmo contra todas as evidências científicas, atribuía ao uso do alumínio em utensílios de cozinha toda sorte de moléstia, e, ao mesmo tempo, aprovava e recomendava o uso de dispositivos cientificamente inócuos e claramente ligados ao ocultismo.

Ao final desta audiência - prossegue o relato - o 'juiz' aceitou o desafio e ditou a sua secretária uma carta para ser entregue a Clayton Woodworth, informando-o de que o irmão Goodrich iria escrever um artigo sobre a ERA, omitindo nomes e lugares, o qual seria publicado em A Idade de Ouro. A matéria saiu na edição de 5/3/1930. Nela, ele declara:

"Neste artigo, fornecerei provas de que a 'Máquina de Diagnóstico do Dr. Albert Abrams' nada mais é do que uma complexa prancheta 'Ouija'; que esta dita máquina de diagnóstico não poderia ser usada para diagnosticar doenças, a menos que seu operador seja um médium espírita." (p.355)

Mais adiante, ele classifica tal dispositivo de 'esperto instrumento do Inimigo' e 'impostura pseudocientífica de puro demonismo' (p. 361). Para provar seu ponto, ele descreve toda uma suposta 'consulta' com um 'especialista' ao qual muitos 'pioneiros' estavam recorrendo e chama a atenção dos leitores para os passos místicos do tal 'tratamento', como mandar alguém escrever seu nome em um pedaço de papel enquanto o 'terapeuta' tenta captar as 'vibrações' do paciente. Estava-se diante de uma estranha 'máquina' que 'lia' saliva ou sangue com a mesma facilidade que um nome. O autor do artigo atacou desdenhosamente aquilo que ainda era endossado pela Sociedade Torre de Vigia. Goodrich conclui seu protesto, dizendo: "Já é mais do que tempo para os 'Estudantes da Bíblia' reconhecerem e rejeitarem este laço espírita de Satã!"

Os anos não tardariam a desmascarar Albert Abrams - sua máquina não passava de pura fraude e os 'diagnósticos' obtidos jamais provieram do emaranhado de fios que ele criou. Se houve outra fonte - a fantasia dos adeptos ou a comunicação com forças ocultas - caberia a cada um estabelecê-la, de acordo com suas convicções pessoais. Entretanto, pergunte-se o leitor: se uma pessoa lhe pedisse para escrever um nome em um pedaço de papel e tentasse captar suas 'vibrações', consideraria tal 'terapeuta' como um profissional médico ou um místico?

A resposta da Sociedade veio em A Idade de Ouro de 30/4/1930 (p.483), na pessoa de uma adepta da ERA e da 'osteopatia' (também desmascarada como fraude), a 'Dra.' Mae J. Work. Na introdução, Clayton Woodworth declara que a palavra dela teria caráter definitivo:

" 'A Idade de Ouro' solicitou à Dra. Mae J. Work que respondesse ao artigo, e a resposta aqui é fornecida. Isso vai encerrar a controvérsia, tanto quanto interessa a esta revista."

A 'Dra.' Mae não refutou os argumentos de Goodrich - disse apenas que o que ele presenciou nada tinha a ver com a verdadeira 'teoria' do Dr. Abrams ; que havia pessoas inescrupulosas fazendo mal uso dela; que o dispositivo que ela usava era ligado a uma tomada e que realmente produzia uma quantidade mensurável de energia. Assim, a Sociedade Torre de Vigia, pelo menos por algum tempo, 'salvava' o caráter 'científico' da ERA perante a comunidade de 'Estudantes da Bíblia', os quais continuaram consumindo o produto.

Em seu livro, Roy Goodrich expressa a opinião de que o objetivo de Rutherford era fazê-lo cair em descrédito, pois não houve tréplica e o prestígio da 'Dra.' Mae em 'Betel'- mesmo estando totalmente equivocada - pesou contra ele. Além do aparelho fraudulento de Albert Abrams, ela também abraçou a pitoresca cruzada contra o alumínio e chegou a anunciar que o câncer era causado por ele, podendo ser curado pela ERA. Os conselhos 'médicos' da 'Dra.' Mae não merecem ser discutidos...

A história ainda não tinha acabado. Nos anos 40, chegou ao conhecimento de Roy Goodrich que as 'terapias' baseadas na ERA estavam em pleno uso na sede de 'Betel', desta vez administradas pelo Dr. M. A. Howlett no atendimento a um 'betelita' chamado Chester Nicholson. Sua metodologia era a mesmíssima que Goodrich já havia denunciado, anos antes. Dessa vez, ele enviou cartas ao próprio Dr. Howlett, aos diretores e ao presidente Nathan Knorr. A resposta de Howlett foi lacônica: "O senhor, evidentemente, está mal informado quanto à minha ligação com a ERA. Nada sei sobre ela e nunca a usei. Não existe tal coisa em 'Betel' ". Em 9 de junho de 1943, Goodrich enviou nova correspondência a Howlett, informando-o que, desde 1922, os dispositivos da ERA eram, de fato usados na sede da Sociedade, pela 'Dra.' Mae, a autora da réplica em A Idade de Ouro ; que, tendo ele ingressado em 'Betel' bem antes disso, era um absurdo dizer que jamais ouvira falar de tal coisa. A essa altura, Goodrich acreditava que o Dr. Howlett não falara a verdade. Assim, enviou correspondência, também datada de 9 de junho, ao presidente Knorr. Em um trecho de sua réplica a Howlett , Goodrich diz:

"...Com todo respeito, então, irmão Howlett, a lógica inescapável dos fatos é que seu cartão postal a mim corresponde a uma das duas coisas, a saber: (1) Uma mentira potencialmente maliciosa ou (2) uma admissão perante o Senhor de que está praticando demonismo e tentando se 'safar'... um médium espírita em 'Betel' só pode ser uma pessoa 'insana'." - Trecho impresso na obra 'Bethel Rides the Broom', de Roy Goodrich

As cartas aos diretores e ao presidente foram igualmente duras em seus termos. O resultado era previsível - Roy Goodrich foi desassociado ("excomungado"). A Sociedade Torre de Vigia jamais se retratou publicamente pelo seu endosso a fraudes científicas e crenças ocultistas. Curiosamente, cerca de uma década mais tarde, ela começou a publicar artigos críticos à ERA, contendo as mesmas conclusões às quais Goodrich tinha chegado anos antes e pelas quais havia sido desassociado. Naturalmente, nenhum crédito foi conferido a ele. Poderíamos chamar isso de 'percepção tardia'???




J. Greber - médium espírita e ex-padre

Johannes Greber foi, por décadas, um padre católico até que, por volta dos 48 anos de idade, teve uma experiência mística que o impeliu na direção do espiritismo. Seu depoimento acha-se registrado em A Sentinela de 1/10/1956, p. 187, parágrafos 10 e 11:

"Diz Johannes Greber no prólogo da sua tradução do Novo Testamento, direitos autorais de 1937: 'Eu mesmo fui sacerdote católico, e até os quarenta e oito anos de idade nem mesmo tinha crido na possibilidade da comunicação com o mundo dos espíritos de Deus. Veio, porém, o dia em que dei voluntariamente o primeiro passo para tal comunicação, e tive a experiência de coisas que me abalaram até as profundezas de minha alma... Minhas experiências estão relatadas num livro... A Comunicação com o Mundo Espiritual: Suas Leis e Finalidades'... No prefácio do seu livro... Greber disse: 'O mais destacado livro espírita é a Bíblia.' Sob essa impressão, Greber esforça-se para fazer que sua tradução do Novo Testamento soe bem espírita... É bem claro que os espíritos nos quais o ex-padre Greber crê lhe ajudaram na sua tradução."

Repare o leitor a riqueza de detalhes com que a Sociedade Torre de Vigia descreve a trajetória de Greber, deixando bem claro qual a fonte de 'inspiração' dele em sua tradução do Novo Testamento. Conforme vemos no cabeçalho desse artigo, C. T. Russell - em uma edição de 1879 de sua revista Zion´s Watch Tower - disse, "uma verdade apresentada por Satanás é tão verdadeira quanto uma verdade declarada por Deus... Aceite a verdade onde quer que a encontre...". Trata-se de uma concepção de 'verdade' bastante incomum para um cristão. Até porque as Escrituras contêm relatos sobre Satanás falando ocasionalmente a verdade, porém sempre distorcendo-a com propósitos nefastos. Por exemplo, Lucas 4: 10 mostra o diabo citando de forma verdadeira o Salmo 91: 12, de modo a desencaminhar Jesus Cristo. Talvez os sucessores de Russell tenham se inspirado na filosofia de seu mestre de uma forma inesperada.

Cerca de seis anos após ter seus dados biográficos publicados em A Sentinela, J. Greber voltaria a freqüentar a literatura das Testemunha de Jeová, dessa vez, não pejorativamente, mas como uma autoridade em grego - evocada para dar apoio à forma da Sociedade Torre de Vigia traduzir o texto bíblico de João 1:1 em sua versão das escrituras, a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas (TNM), lançada na década de 50. Alvo de severas críticas por parte de muitos peritos em línguas mortas, seus editores puseram-se em busca de apoio para ela em tantas versões quanto possível, algumas vezes com o prejuízo da respeitabilidade das fontes escolhidas, no que diz respeito à sua erudição. A edição de 15/9/1962 de A Sentinela, p. 554 (em inglês), cita Greber como se ele fora um perito respeitável. Também nesse ano, a publicação A Palavra - Quem é Ela de acordo com João, p. 5, confirmaria este mesmo ponto de vista. Vejamos, agora, o que diz a publicação Certificai-vos de Todas as Coisas..., lançada em português em 1970 (1965, em inglês), p. 487:

"Certificai-vos..." - J. Greber citado como autoridade acadêmica

No texto acima, a obra de Greber - The New Translation and Explanation - é citada como apoio para a TNM na controversa passagem do evangelho de João. Obviamente, a organização o citou por ele ser anti-trinitarista - uma postura em comum com as Testemunhas de Jeová - desconsiderando a fonte da qual Greber obtinha sua interpretação das escrituras. Esta não foi a última vez que a organização recorreu a ele. No livro Ajuda ao Entendimento da Bíblia, lançado em português em1983 (1971, em inglês), p. 1245, lemos:

"Uma tradução feita pelo ex-sacerdote católico romano, Johannes Greber (ed. 1937) traduz a segunda ocorrência da palavra 'deus' na sentença como 'um deus'."

A obra Ajuda... nada mais é do que a sucessora da publicação Certificai-vos..., agora na forma de um extensivo dicionário bíblico, como seu lançamento noticiado na mídia. Era de se esperar que seus editores tivessem revisado detidamente a publicação anterior, de modo a incluir novas referências e a checar as antigas. Em outras palavras, a obra mais recente propunha-se a ser, em todos os sentidos, o aprimoramento da primeira. Seria uma oportunidade para os editores redimirem-se de qualquer equívoco. Mas não foi assim - a referência a uma obra reconhecidamente 'psicografada', o Novo Testamento de Greber, permanecia em voga, remetendo-nos aos tempos em que a revista A Idade de Ouro - sob a supervisão de Clayton Woodworth - recomendava a leitura de Anjos e Mulheres. Entretanto a história ainda não havia terminado...

Em uma seção Perguntas dos Leitores de A Sentinela de 1/10/1983, p. 31, vemos uma interessante explicação:

"Por que, nos últimos anos, A Sentinela não tem feito uso da tradução feita pelo ex-sacerdote católico, Johannes Greber? [Resposta] ...como indicado no prefácio da edição de 1980 de 'O Novo Testamento' de Johannes Greber, este tradutor confiou no 'Mundo Espiritual de Deus' para... traduzir passagens difíceis... 'A Sentinela' julgou impróprio fazer uso de uma tradução que tem tal vínculo estreito com o espiritismo."

A justificativa acima poderia ser plausível, caso a própria organização não tivesse - como vimos - publicado, em 1956, o conteúdo do prefácio da edição de 1937, onde Greber deixava claro que sua obra era 'psicografada'. Além disso, o primeiro uso da tradução dele distava apenas seis anos desde a primeira referência a ela, com as publicações de 1962, 1965 e 1971, tendo vigorado por cerca de duas décadas. Agora a organização menciona o prefácio da edição de 1980, como se jamais tivesse tido conhecimento daquela de 1937. Mas isso não foi tudo...

Em 20 de dezembro de 1980, a Sociedade Torre de Vigia enviou uma correspondência em papel timbrado, endereçada à Fundação Memorial Johannes Greber, confirmando o recebimento do Novo Testamento - edição de 1980 - e do livro Comunicação com o Mundo Espiritual de Deus, mencionado no artigo de 1956. Estranhamente, a mesma organização enviou a uma irmã de nome Helen McAllister - a qual havia solicitado o endereço da fundação acima mencionada - outra correspondência, datada de 21 de setembro de 1981, na qual afirma dispor apenas do endereço antigo, disponível na edição de 1937. Em 27 de setembro de 1982, outro leitor, Kurt Goedelman, enviou uma carta à organização expondo o caráter público e notório dos trabalhos mediúnicos de Greber, desde a década de 30, e confrontando a organização com o fato de ela fazer uso do Novo Testamento dele desde os anos 60. Nenhuma resposta chegou às suas mãos...

Recapitulemos os fatos até aqui:

  • Em 1956, a Sociedade Torre de Vigia lança uma matéria informando que o Novo Testamento de Greber - edição de 1937 - era uma obra 'psicografada', pois o autor era um médium espírita declarado.
  • Apenas seis anos mais tarde, em 1962, menciona sob luz favorável a obra dele - em A Sentinela e em um folheto - pois harmoniza-se com a tradução de João 1: 1 feita pelas Testemunhas de Jeová.
  • Em 1965, evoca novamente a mesma obra na publicação Certificai-vos... como apoio para a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas .
  • Em 1971, mantém a referência à tradução de Greber na publicação revisada e melhorada, Ajuda ao Entendimento da Bíblia.
  • Em 1980, faz um pedido da última edição do Novo Testamento de Greber e de seu livro Comunicação com o Mundo Espiritual, confirmando seu recebimento em carta timbrada.
  • Em 1981, responde a uma leitora afirmando que não possui a edição mais recente, mas apenas a antiga - de 1937 - na qual consta o endereço antigo.
  • Em 1983, afirma em Perguntas dos Leitores que parou de utilizar a tradução de Greber após tomar conhecimento que a obra era 'psicografada', na edição de 1980 - a mesma que negou possuir na correspondência a Helen McAllister.

À base dos eventos acima descritos, podemos estabelecer as seguintes hipóteses:

  1. Os redatores da Sociedade Torre de Vigia não são rigorosos na verificação das credenciais das fontes citadas, antes de usá-las em apoio de suas doutrinas. Isto põe em cheque a credibilidade de suas citações.
  2. Os redatores sabem da origem objetável das citações, mas, mesmo assim, as publicam para dar crédito às suas doutrinas. Isto põe em cheque sua honestidade.
  3. Os redatores faltam para com a verdade quando ela é danosa à reputação da organização. Isto seria parte da assim chamada "Estratégia Teocrática de Guerra" - mencionada em A Sentinela de 1/5/1957, p. 285 (em inglês) - um artifício que visa a confundir os 'opositores', ocultando-lhes a verdade.

Cremos que qualquer uma das três hipóteses acima depõe seriamente quanto à imagem moral daquela que sustenta ser "a única genuína organização cristã na atualidade". É claro, restaria ainda uma última hipótese, embora pouco provável - tudo não passaria de um engano, isto é, algum redator colocou por equívoco o nome de Johannes Greber na lista de referências sem consultar o artigo de 1956 - portanto, sem se assegurar de suas credenciais antes de publicar seu nome - e outros só copiaram a citação, repetindo o erro. Se isso for verdade, então cai por terra a tese - sustentada até hoje pela organização - de que tudo o que é publicado pela Sociedade Torre de Vigia é orientado pelo Espírito Santo e fornecido como 'alimento espiritual' puro e no 'tempo apropriado'. Insistir com essa teoria após tantas trapalhadas só resultaria em escárnio sobre o Espírito Santo, já que, sob 'orientação' dele, não se poderia chegar a erros crassos.

Em face das contínuas citações de Johannes Greber por parte da Sociedade Torre de Vigia, no tocante à tradução de João 1:1, achamos conveniente verificar se havia mais pontos em comum entre as doutrinas dele e aquelas divulgadas na era Rutherford, quando tanto Greber quanto o segundo presidente da Sociedade Torre de Vigia estavam em plena atividade. A doutrina de Greber acha-se registrada em seu livro Comunicação com o Mundo Espiritual (1932) e as de Rutherford , na literatura que ele publicou de 1917 a 1942. Os resultados são surpreendentes:

a) Ambos diziam receber instruções do mundo espiritual - Greber, dos 'espíritos bons' e Rutherford, dos 'anjos'.

b) Ambos ensinavam que Deus tem um corpo e, portanto, não é onipresente (A Idade de Ouro de 16/1/1924, p. 253).

c) Ambos ensinavam que Deus não é onisciente, delegando a criaturas celestiais a incumbência de observar e registrar ações e características humanas (Consolação de 23/3/1938, p. 4).

d) Ambos rejeitavam totalmente a doutrina da trindade (Riquezas, 1936, pp. 185, 188).

e) Ambos ensinavam que Cristo foi a primeira criação de Deus (A Harpa de Deus, 1921, p. 98).

f) Ambos ensinavam que os anjos Miguel e Lúcifer eram irmãos (A Sentinela de 1/3/1932, p. 76).

g) Ambos ensinavam que há salvação para demônios (A Idade de Ouro de 9/5/1923, p. 508 e 30/3/1932, p. 390).

h) Ambos ensinavam que Cristo não ressuscitou em seu corpo carnal, mas materializou-se e apareceu àqueles que o seguiam (A Harpa de Deus, 1921, pp. 166-168).

i) Ambos rejeitavam completamente a doutrina do inferno de fogo (Criação, 1927, p. 273).

j) Ambos defendiam a tese de que houve uma adulteração do texto de Mateus 27: 52,53 (A Idade de Ouro de 17/4/1929, p. 478)

k) Ambos ensinavam que as verdades de Cristo foram obscurecidas e seriam restauradas no devido tempo (A Idade de Ouro de 21/8/1929, pp. 761, 762).

Tantas similaridades entre os ensinos de Rutherford - os quais ele dizia provirem dos 'anjos' - e os ensinos de Greber - os quais ele dizia provirem de 'espíritos bons' - levaram alguns investigadores da história da Sociedade Torre de Vigia a estabelecer a tese de que ambos - e não apenas Greber - eram médiuns, afinal de contas, diversos de seus ensinos básicos eram idênticos e oriundos - de acordo com as declarações deles próprios - do plano espiritual. Estariam recebendo 'instruções' da mesma fonte?

O livro Anjos e Mulheres (1924) e o Novo Testamento de Johannes Greber (1937) não são as únicas obras 'psicografadas' que foram endossadas pelas Testemunhas de Jeová. Em uma publicação menos conhecida, a Tradução Interlinear do Reino (1985), pp. 1139 e 1140, outra 'autoridade' em grego é mencionada como fonte de apoio para a tradução de João 1:1. Trata-se de John S. Thompson. Uma consulta à obra dele, The Monotessaron, or The Gospel History, According to the Four Evangelists (1829), revela que toda sua inspiração provinha do mundo espiritual. Mais um incidente com o ocultismo...

Até que ponto a Sociedade Torre de Vigia tinha consciência da mediunidade deste segundo autor, pode-se apenas conjeturar. Todavia, fica bem evidente que, na sôfrega busca por apoio à sua forma bastante peculiar de traduzir certos textos bíblicos, a organização 'atropelou' as credenciais de suas fontes de apoio e acabou por 'atolar' várias vezes no 'pântano' do ocultismo, ao qual, paradoxalmente, se diz contrária em todos os sentidos. É como se o 'fantasma' de um passado distante teimasse em retornar...


Os dois termos acima dificilmente seriam familiares ao leitor. Ambos definem ciências ocultas - o primeiro define aquela que tenta determinar o caráter e as habilidades de uma pessoa pelos acidentes anatômicos do crânio, e o segundo define uma outra bastante similar, a qual julga as pessoas por seus traços faciais. A história da frenologia remonta ao século 18, quando foi criada por Franz Joseph Gall (1758-1828). Tanto a frenologia como a fisiognomia já foram totalmente desmascaradas, não havendo nelas qualquer caráter científico. Todavia, nos anos 20 e 30 não foram poucos os que se deixaram seduzir por elas. Entre estes, estavam os dirigentes da Sociedade Torre de Vigia. Uma edição de 1925 da revista A Idade de Ouro defendia a tese de que "o caráter de um homem pode ser descrito em termos de características faciais, o que se conhece como Fisiognomia, ou pelas características cranianas, uma área definida pelo termo científico de Frenologia". O artigo prosseguia afirmando que tais características contam "nossa história de vida" e, juntamente com as 'vibrações' do corpo, "mostram o que somos e não mentem". As 'vibrações' às quais o artigo se referiam estavam relacionadas à infame teoria do Dr. Albert Abrams, já estudada neste artigo. Desse modo, por combinar os 'princípios' da frenologia, fisiognomia e das 'Reações Eletrônicas de Abrams', os redatores da Sociedade Torre de Vigia produziram uma autêntica 'salada' de pseudociência com ocultismo.

Quase nenhuma Testemunha de Jeová hoje sabe que o fundador do movimento, C. T. Russell, submeteu-se ele próprio a 'exames' frenológicos, cujos resultados foram publicados na biografia dele, escrita por William Wisdom, em 1923. Nela, consta o testemunho de vários frenologistas atestando o papel fundamental de Russell à frente de sua organização. Um deles, de nome David Dall, examinou o 'pastor' em 30 de novembro de 1911 e chegou a um análise reveladora - Russell tinha uma grande cabeça e "um cérebro dotado com um grau incomum de atividade; uma região basilar inteira é acompanhada pela poderosa dotação da natureza moral, intelectual e espiritual". As pitorescas conclusões de Dall - conhecido como um 'notável cientista mental' - foram complementadas por um 'diagnóstico' segundo os 'princípios' da fisiognomia: "uma larga face, um nariz grande e largo, com amplas narinas", bem como olhos que " comunicam disposição e benevolência... como faculdade diretriz... manifestando-se em generosidade de sentimento a toda humanidade, profundo desejo pelo bem-estar de outros, combinando calor de simpatia com uma rara simplicidade de propósito".

Russell - uma 'grande cabeça'???

É realmente impressionante como um 'leitor de faces', a partir de um exame anatômico possa chegar a conclusões tão lisonjeiras. Mais impressionante ainda é que uma organização que se autodenomina "o único canal de comunicação entre Deus e a humanidade" tenha se deixado levar por tais sandices em uma época em que elas já tinham sido contestadas pela ciência. Há, contudo, um agravante: tais crendices tinham suas raízes tanto em uma interpretação equivocada da teoria da evolução das espécies - combatida pelas Testemunhas de Jeová - como na eugenia, a saber a crença no aprimoramento genético das raças. Diversos adeptos de doutrinas racistas assentaram suas teorias sobre os princípios da frenologia e da fisiognomia. Por exemplo, uma adepta da bruxaria, Sybil Leek, em sua obra intitulada Frenologia (1970), ressaltou os atributos da raça branca, tomando como base as medidas e características do crânio caucasiano. Sem dúvida, algumas de suas conclusões teriam soado como 'música' aos nazistas.

Um exame na literatura da Sociedade Torre de Vigia, durante as décadas de 20 e 30 revela o amplo destaque dado à frenologia e à fisiognomia. Vejamos, por exemplo, o que diz - A Idade de Ouro de 19/1/1921, pág. 224 (em inglês):

"O tamanho do nariz, e também o tamanho dos olhos, não são sem significado. Um homem de nariz pequeno não pode ter uma mente judicial, não importa que outras virtudes tenha. E um homem de nariz arrebitado não pode administrar justiça mais do que um buldogue pode ser pastor."
Outra edição da revista (5/7/1928) chegou a dizer, "que bênção seria se pais, mestres, educadores, médicos e outros, estivessem plenamente informados quanto à interpretação das formas físicas, da fisiognomia e, particularmente da Iridiagnose, de modo a que pudessem com, com muita antecedência, detectar doenças em evolução e assim tomar medidas em tempo hábil para preveni-las". Seria hilariante saber o que "pais, mestres, educadores e médicos" pensariam hoje de tais conselhos. Todavia, não percamos de vista o fato de que eles provieram de uma organização que se dizia a única detentora da iluminação divina para restabelecer "verdades" sobre os mais diversos aspectos da vida dos cristãos hodiernos. É, deveras, desconcertante que a 'direção' do espírito santo não a tenha impedido de ser levada, junto com muitos outros, na correnteza das superstições. Apenas em 1978, a Sociedade Torre de Vigia expressou formalmente - em sua literatura - a desaprovação da frenologia, sem, contudo, dar uma só palavra sobre o amplo destaque que concedeu, por décadas, a essa e outras fraudes ocultistas.



O 'pastor' Russell considerava a telepatia como um fenômeno real, muito embora não arriscasse um palpite sobre a natureza dela. Em uma reimpressão de A Sentinela, ele expressa seu ponto de vista:

"Quanto a como as preces de alguém podem beneficiar outro, não podemos saber. Não temos informação suficiente para filosofar sobre isso muito profundamente. Nós poderíamos conjeturar certas influências mentais provindo de uma pessoa para o outra, exatamente como sabemos de influências elétricas que procedem de uma estação para outra distante milhares de milhas. Os poderes da mente são algo não compreendido. Uma mente pode influenciar outra sem palavras, por algum poder telepático."

A relutância de Russell em assumir uma postura definida sobre a telepatia abriu campo para que seus seguidores prosseguissem investigando-a em busca de sua real natureza. Em 1925, a revista A Idade de Ouro - edição de 25 de fevereiro - publicou o artigo "O Poder da Mente", da autoria do Dr. A. P. Pottle. Em um trecho do artigo, ele diz:

"Está demonstrado que as substâncias químicas são muito lentas para permitir cálculos rápidos, e isso prova que o pensamento é conduzido por um sistema de vibração eletrônica. O Dr. Abrams foi o primeiro a demonstrar essa teoria por meio de um instrumento mecânico. Também explica aquilo que até agora se considerava o mistério da assim chamada telepatia, leitura de mentes e intuição feminina, dos quais o Pastor Russell falou em algumas ocasiões."

Aqui vemos, mais uma vez, o apoio expresso à teoria estapafúrdia do charlatão Albert Abrams, desta vez, elevando-a à condição de verdadeira 'pedra filosofal' - a descoberta que explicaria todos os fenômenos paranormais. Mais adiante, o autor separa inteiramente a 'técnica' de Abrams dos fenômenos demoníacos e alerta os leitores quanto ao perigo desses últimos. Não é de admirar que, uma vez tendo encontrado uma forma 'segura' de captar as 'vibrações' mentais - aquela que põe as pessoas a salvo das influências malignas - os redatores da Sociedade Torre de Vigia fossem tomados de um empolgação incomum pelas ondas de rádio. A ignorância deles não só serviu de combustível para a promoção de dispositivos inócuos, com muitos prejuízos ao bolso (foram anunciados ao preço de 35 dólares) e à saúde, como expôs a comunidade de 'Estudantes da Bíblia' à exploração de charlatões e místicos.

A edição de 1 de julho de 1925 de A Idade de Ouro (p. 631) publicou um artigo ainda mais curioso, intitulado "Cada Humano como um Aparelho de Rádio". Nele, Clayton Woodworth introduz:

"Nós estamos recebendo recortes intitulados, 'São as Ondas de Rádio Mentais uma Possibilidade?' e 'Retratos do vazio', os quais relatam as experiências de diversas pessoas em receber, com ou sem aparatos, quadros e mensagens que eles não conseguem explicar. Eu não tenho dúvida, é claro, de que os fenômenos aqui listados são, em larga medida, demoníacos, mas eu também estou seguro de que nem todos o são. De fato, este recorte esclareceu alguns mistérios para mim... os seres humanos por todo o universo serão capazes de conversar uns com os outros à vontade, instantaneamente, e sem instrumentos de qualquer sorte... todo ser humano é um embrião de estação de rádio..."

A ignorância científica de Woodworth, bem como sua crença incondicional nos ensinos de Russell certamente contribuíram para que ele endossasse algumas fraudes científicas de seu tempo. Nessa condição, era também pouco provável que ele conseguisse discernir a linha divisória entre ficção científica e ocultismo. É lamentável que ele, estando na posição de editor-chefe de uma publicação que era considerada um 'instrumento do Senhor' - publicada por uma organização 'messiânica' - atraísse muitos 'Estudantes da Bíblia' para o contato com aquilo que diziam repudiar, o ocultismo. Talvez isso nos ensine uma lição sobre o risco de alguém se por diante de homens para lhes obedecer, tornando-se, por conseqüência, 'escravo' deles (Romanos 6: 16).

É irônico que o poder de influir na mente de outros, entendido por 'Woodworth e Cia' como 'ondas de rádio', fosse exercido por eles próprios - não por estações 'virtuais' - mas pelo poder da palavra escrita. Talvez o único poder mental que tinham era o de convencer milhares a os acompanharem em seus delírios religiosos.


Os redatores da Sociedade Torre de Viga parecem alimentar, há décadas, uma fascinação mórbida por espíritos iníquos. Fizemos uma retrospectiva, desde os tempos de Russell, Clayton Woodworth e J.F. Rutherford, na qual constatamos a publicação freqüente de matérias sobre os demônios e suas 'atividades'. As coisas não mudaram muito nesse respeito - o diabo ainda ocupa lugar de destaque na literatura da Sociedade Torre de Vigia. A figura dele tem sido utilizada como pretexto para explicar toda sorte de mazela - desde guerras, problemas econômicos, índices de criminalidade até o surgimento de setores descontentes com as doutrinas da instituição. Diferentemente de seu fundador, as Testemunhas de Jeová não pregam mais a salvação para demônios arrependidos nem ensinam que haja demônios 'honestos'. Ao contrário, afirmam taxativamente que toda e qualquer comunicação oriunda do plano espiritual na atualidade provém inexoravelmente de Satanás. O livro Conhecimento que Conduz à Vida Eterna (1995) afirma, na p. 112, o seguinte:

"Jeová enviou espíritos bons, ou anjos justos, para comunicar-se com alguns seres humanos antes de a Bíblia ser concluída. Desde que foi terminada, a Palavra de Deus dá aos seres humanos a orientação necessária... Ele não passa por alto sua Palavra sagrada dando mensagens a médiuns. Todas essas mensagens atuais do mundo dos espíritos vêm de espíritos iníquos."

Não se pode deixar de perceber o notável contraste entre a visão acima e os tempos em que o segundo presidente da Sociedade Torre de Vigia alegava receber mensagens dos anjos. Isso levanta uma questão perturbadora: se, desde a conclusão das Escrituras Sagradas, por volta de 98 DC, Deus não mais envia quaisquer instruções aos seres humanos, então de onde provinham as revelações de Rutherford, as quais alimentaram as gráficas da organização por mais de vinte anos e fazem parte do atual corpo doutrinário da religião?

Na atualidade, as Testemunhas de Jeová entendem que, não só as mensagens mediúnicas propriamente ditas, mas toda e qualquer manifestação sobrenatural é, necessariamente, demoníaca - incluindo-se as manifestações carismáticas ou pentecostais, bem como quaisquer 'milagres' ou 'aparições' de 'santos'. Sua literatura contém diversos relatos de ex-pentecostais, ex-médiuns e ex-macumbeiros agora convertidos, os quais relatam experiências assustadoras de vozes, ruídos, possessões e fetiches demoníacos que tiveram de ser destruídos às pressas. Livros, fotos ou roupas que não queimavam, quadros ou amuletos quase indestrutíveis e coisas assim, povoam o imaginário das Testemunhas de Jeová. Por exemplo, ainda no livro Conhecimento..., p. 115, lemos:

"...um casal na Tailândia há muito tempo era molestado pelos demônios. Daí, eles se livraram de objetos relacionados com o espiritismo. Com que resultado? Ficaram livres dos ataques demoníacos e depois fizeram progresso espiritual.

A organização publicou diversos artigos sobre como lidar com objetos 'demonizados', visões e outras manifestações, chegando a 'diagnosticar' insônia, dores-de-cabeça e 'vozes' como provenientes de uma maldição sobre uma peça de roupa presenteada ou ornamentos, após cuja destruição, os 'sintomas' cessaram totalmente (A Sentinela de 1/12/1974, p.707-712; 15/4/1984, pp. 11-15; 15/8/1963, pp. 507-511). Também advogou a idéia de que os demônios praticam abuso sexual e levam pessoas à loucura (livro Conhecimento..., p. 114). Por outro lado, na publicação Despertai! de 22/8/1975, pág. 26 (em inglês), a Sociedade Torre de Vigia desaconselha a consulta a psiquiatras ou psicólogos, recomendando o uso da Bíblia para auxiliar pacientes com problemas psicológicos.

Com relação à destruição de objetos, a organização costuma fazer referência à passagem bíblica de Atos 19: 19, onde se narra que cristãos recém-convertidos queimaram seus livros de ocultismo. Todavia, o texto não diz que eles o fizeram em razão de algum poder emanar daqueles objetos. Tampouco relata que tenha havido alguma dificuldade para destruir tais itens. Aparentemente, as Testemunhas de Jeová ampliaram o sentido do texto de Atos, criando uma variada 'lista' de objetos a serem localizados e destruídos:

"...Isto inclui livros, revistas, vídeos, pôsteres, gravações musicais e objetos usados para fins espíritas. Estão incluídos também ídolos, amuletos e outras coisas usadas para dar proteção, e presentes recebidos de praticantes do espiritismo." - Livro 'Conhecimento que conduz...' (1995), p. 115

Note o leitor que a Sociedade recomenda a busca e destruição, não apenas dos objetos diretamente ligados ao ocultismo - ou usados em alguma liturgia - mas até mesmo um simples presente dado por alguém que professe o espiritismo, mesmo que o objeto em si nada tenha a ver com tais práticas. Em outras palavras, se um parente espírita vai a um shopping-center e compra um par de meias para presentear generosamente alguém, elas devem ser destruídas, pois podem servir de elo com os demônios. Tal atitude se assemelha de perto àquela dos religiosos da era medieval, à caça de bruxas. A organização cita os textos de Deuteronômio 7: 25,26 e 1 Coríntios 10: 21 como justificativa para esta doutrina. Entretanto, tais textos referem-se explicitamente a ídolos - objetos diretamente relacionados a uma prática condenável, a idolatria. Nenhuma das duas passagens citadas nem o relato de Atos 19: 19 atribuem qualquer propriedade maligna intrínseca a tais objetos. Ao contrário, o Salmo 115 retrata os ídolos como uma coisa inerte, sem poder algum, e Paulo, em 1 Coríntios 8:4 fala que 'o ídolo nada é'. Assim sendo, tais utensílios devem ser destruídos pelo que representam, e só. A superstição de sair à procura de objetos pessoais como fonte de fenômenos sobrenaturais está bem mais próxima do folclore religioso (Xamanismo) do que da fé cristã e, no caso da Sociedade Torre de Vigia, parece mais indicar vestígios da antiga fascinação dos redatores de A Idade de Ouro [atualmente Despertai!] por demônios, 'honestos' ou não.

Infelizmente, a 'espiritofobia' atualmente manifesta entre as Testemunhas de Jeová serviu para agravar o estado mental de pacientes psicologicamente abalados. Alguns, supondo estarem à mercê de demônios, saíram a destruir livros, rosários, cruzes, adornos e quaisquer objetos 'demonizados'. Os que obtiveram alívio - ainda que por fatores psicossomáticos - presumem agora que os objetos eram a causa, porém, os que não melhoram supõem que ainda resta algum fetiche a ser destruído - talvez um "presente recebido" - e, caso não o encontrem, seu estado mental poderá se agravar. Episódios assim induziram certos especialistas a estudar a ocorrência de perturbações mentais entre as Testemunhas de Jeová e alguns são de opinião que casos de depressão, neuroses e comportamento compulsivo ou esquizofrênico são mais comuns entre elas do que na população em geral. Algumas obras já foram publicadas nessa área, entre elas, Jehovah's Witnesses and the Problem of Mental Health [As Testemunhas de Jeová e o Problema da Saúde Mental], publicada, em 1992, pelo psiquiatra e ex-adepto das Testemunhas, Jerry Bergman. Outro especialista, Havor Montague, em seu trabalho The Pessimistic Sect's Influence on Mental Health: The case of Jehovah's Witnesses [A Influência Pessimista das Seitas na Saúde Mental: o caso das Testemunhas de Jeová], afirma que trabalhou com "muitos casos nos quais a sugestão de 'influência demoníaca' tinha sido o fator crucial para fazer a Testemunha neurótica piorar ao ponto de tornar-se completamente psicótica" (p. 144).



Na edição de A Sentinela de 1 de maio de 1984 (p.24, em espanhol), sob o título "Cuidado com a Música que Degrada", o autor declara:

"Também foram feitas gravações de mensagens antibíblicas, e até demoníacas, mediante uma técnica de gravar dissimuladamente de trás para frente, a qual vários grupos musicais utilizam... [uma] gravação popular, tocada ao contrário, traz a mensagem: 'Cantarei porque vivo com Satanás... É inevitável, meu doce Satanás." Supõe-se que as pessoas normalmente não toquem discos ao contrário. Porém, quando se escuta certo tipo de música, a mente fica exposta a sugestões impróprias e pode absorver idéias antibíblicas ou demoníacas... A mente desprevenida em sentido espiritual pode deixar a pessoa exposta às influência de demônios."


A partir dos comentários acima, a Sociedade Torre de Vigia demonstra que está bem a par da existência daquilo que se denomina 'mensagem subliminar', a qual consiste na introdução sutil de informação oculta em qualquer via de comunicação, seja som ou imagem. Na publicação Despertai! de 22 de setembro de 1994 (pp. 7-8), a organização volta a abordar o assunto, dessa vez atacando a música tipo 'rock pesado', classificando-a como um instrumento a serviço do satanismo. Na idade média acreditava-se que uma das características dos bruxos era a habilidade de falar de trás para frente. No século 20, a técnica de introduzir mensagens gravadas ao contrário na música (backward masking) é uma prática que data dos anos 60, tendo servido a diversos objetivos, desde simples brincadeira até propósitos escusos. Comenta-se que até os Beatles lançaram mão deste recurso (final da canção I´m so Tired, 1969). Na Bulgária, o uso de áudio com mensagens subliminares foi aplicado à aprendizagem de idiomas e matemática. Todavia, como dissemos, as mensagens subliminares não freqüentam apenas o áudio, mas também o vídeo. Alguns pesquisadores afirmam que o uso de figuras subliminares remonta ao renascimento, desde os afrescos da capela cistina, pintados por Miguelângelo. Elas também foram supostamente encontradas em diversas obras de artistas famosos. Até em anúncios publicitários modernos, há rumores do uso deste recurso. Diz-se que, na década de 50, os fabricantes de Coca-Cola introduziram imagens de seu produto - a uma duração de um trigésimo de segundo cada uma - em uma película cinematográfica exibida em New Jersey, o que supostamente resultou em um incremento de 58% nas vendas.

A forma como a mente humana reage a mensagens subliminares foi objeto de estudo de alguns médicos desde os tempos de Sigmund Freud - o conhecido 'pai da psicanálise'. Um contemporâneo dele, o Dr. Poetzle, realizou experimentos e registrou suas conclusões sobre o efeito das mensagens subliminares sobre o ser humano. Em 1957, a obra Hidden Persuaders [Persuasivos Ocultos] - de Vance Packard - deu grande destaque ao tema, sendo recebida inicialmente com certo ceticismo. Entretanto, alguns anos depois, a atitude do público mudou e, de lá para cá, muito já se escreveu sobre o tema. O assunto despertou o interesse de psicólogos e de autoridades. Muitos têm questionado a ética em aplicar tal recurso, já que, segundo se sabe, a mensagem captada de forma tão sutil, pelo subconsciente de cada um, poderia escapar ao senso crítico da vítima, transmitindo-lhe de forma eficaz idéias que ela, de outro modo rejeitaria.

O artigo de maio de 1984 de A Sentinela não seria o único daquele ano a tratar deste assunto. A edição de 1 de setembro (p. 20, em inglês) anunciou o seguinte:

"Até as publicações da Sociedade Torre de Vigia têm sido objeto de rumores - por exemplo, de que um dos artistas havia estado introduzindo secretamente figuras de demônios nas ilustrações, tendo sido subseqüentemente pego e desassociado... Certamente, o rumor a respeito das publicações da Sociedade foi danoso, bem como calunioso."

A matéria acima refere-se a denúncias - ou rumores, como prefere o autor - de que, em diversas figuras publicadas na literatura das Testemunhas de Jeová, podiam-se distinguir imagens subliminares, sutilmente introduzidas com algum propósito. Produto da imaginação de alguns ou não, o fato é que tais 'rumores' vieram de diversas partes do mundo. Trata-se de matéria polêmica, tendo, de um lado aqueles que afirmam que tudo não passa de coincidências e, do outro, os que sustentam que a freqüência com que se têm encontrado tais figuras é demasiado alta para deduzir que se trate de simples acaso. A organização não mais pronunciou-se sobre a questão. Todavia, em pelo menos alguns casos, o ceticismo cede lugar ao questionamento ou, pelo menos, a suspeita. Algumas figuras foram alteradas ao serem lançadas em exemplares de outras línguas ou foram reformuladas ao serem exibidas em outras publicações. 'Com qual finalidade?', pergunta-se. Outras ilustrações parecem adquirir formas fantasmagóricas, relacionadas ao ocultismo. Seria pura coincidência? É um tema aberto à discussão. Convidamos o leitor a visitar um endereço que trata detalhadamente deste curioso tema e tirar suas próprias conclusões. Trata-se de um site em espanhol - http://www.geocities.com/Athens/Ithaca/5974/subliminal1.html . Lá, um artigo, escrito originalmente em francês, disseca os fundamentos dessa área de estudo e contém farta galeria de fotos - aquelas que motivaram a discussão. A razão de mencionarmos tal assunto é por ele guardar estreita relação com o objeto de investigação deste artigo.


É certo que toda Testemunha de Jeová hoje em dia busca - a exemplo dos membros de outras denominações cristãs - manter-se longe de qualquer forma de ocultismo, fazendo-o com sinceridade. Mas também é certo que a esmagadora maioria delas desconhece completamente o passado duvidoso de sua organização. Elas desconhecem a formação mística do fundador de seu movimento, C.T. Russell ; desconhecem seus vínculos com organizações esotéricas; desconhecem seu envolvimento com astrologia ; desconhecem sua doutrina sobre a salvação de demônios ; desconhecem seu envolvimento com frenologia e fisiognomia ; desconhecem seu túmulo adornado por uma pirâmide e ao lado de um complexo maçônico; desconhecem o teor de seus discursos junto à Pirâmide de Gizé e na Loja Maçônica de Pasadena ; desconhecem o significado dos diversos símbolos esotéricos utilizados pela organização ao longo de sua história; desconhecem o passado de possessões demoníacas do editor-chefe de uma das revistas da Sociedade Torre de Vigia; desconhecem a teoria da retirada do espírito santo em 1918; desconhecem a tese da comunicação com anjos; desconhecem o endosso de dispositivos inúteis e ligados ao ocultismo; desconhecem o endosso de obras 'psicografadas'; desconhecem, enfim, os mais graves episódios em que sua instituição esteve em pleno 'romance' com o oculto.

Tem sido política da Sociedade Torre de Vigia rejeitar instituições, folclore, símbolos, costumes ou tradições com base exclusiva em suas origens primitivas. Essa é a razão pela qual as Testemunhas de Jeová são impedidas de entrar em qualquer templo religioso que não o seu próprio ou de participar de celebrações como Natal, Dia das Mães ou dos Pais, Dia dos Namorados ou aniversários natalícios. O caráter fraterno dessas ocasiões não conta, é sobrepujado por sua 'origem'. Da mesma forma, as Testemunhas rejeitam associar-se à Cruz Vermelha ou quaisquer organizações filantrópicas que tenham uma origem, ainda que remota, questionável sob o ponto de vista de sua organização. Isso é visto, entre elas, como evidência do mais alto grau de pureza cristã. A organização enfatiza repetidamente esta filosofia. Todavia, tal mentalidade, se aplicada à risca, acabaria por lançar vitupério sobre as próprias Testemunhas de Jeová, pois, além do uso de símbolos como a torre de vigia (originalmente ligada ao ocultismo), elas também portam objetos como aliança de casamento - também de origem pagã. Na verdade, se fôssemos em busca da origem de cada termo ou utensílio do nosso cotidiano, muito freqüentemente os encontraríamos vinculados à cultura de nações ditas 'pagãs'. Se os rejeitássemos sistematicamente por este motivo, cada aspecto de nossa vida - de vocabulário a vestuário - seria sobrecarregado de restrições sem sentido, o que talvez inviabilizasse a vida em sociedade. Como diz Ray Franz, em sua obra In Search of Christhian Freeedom [Em Busca de Liberdade Cristã], p. 274:

"Muito é feito da 'origem pagã' de várias práticas e itens ligados a alguns feriados. Ainda assim,sendo realísticos, qualquer significado 'pagão' que possam ter tido, este já desapareceu há muito tempo... os dias da semana envolvem nomes de objetos pagãos de adoração, o sol, a lua, e deuses e deusas... O mesmo se dá com os nomes dos meses. Mesmo assim, nós hoje empregamos estes nomes sem a menor noção de sua 'origem pagã'. Na verdade, a maioria das pessoas estão totalmente inconscientes de sua fonte 'pagã'. Isso é similarmente verdadeiro com respeito as várias decorações e costumes relacionados a muitos feriados. Enquanto coloca grande ênfase no fator 'origem pagã', a Sociedade Torre de Vigia simplesmente releva isso em outras áreas..."

As Testemunhas de Jeová não se apercebem de que, ao rejeitarem certas coisas com base exclusiva no critério da 'origem pagã', ao passo que deixam passar diversas outras, estabelecem aquilo que se convencionou chamar 'dois pesos e duas medidas'. Deveras, a organização parece instituir até hoje dois critérios - um para avaliar a si própria e outro para avaliar as demais instituições. Costumes populares - totalmente incorporados à cultura dos povos -, bem como denominações religiosas devem ser rejeitados por causa de sua origem pagã, mesmo que tal fonte há muito tenha sido esquecida. Por outro lado, a Sociedade Torre de Vigia, nascida do Adventismo do século 19, do esoterismo de Russell, da piramidologia, das mensagens 'angelicais' de Rutherford, das idéias surreais de Clayton Woodworth e da simbologia pagã da maçonaria e de outras sociedades esotéricas, deve ser aceita plenamente - sem se tomar em conta seu passado comprometedor e sua 'origem pagã'. Se seus adeptos não mostrassem para com ela mais benevolência do que ela própria tem para com outras denominações, dificilmente haveria hoje milhões de Testemunhas de Jeová pelo mundo. Certamente é um direito delas desconsiderar o passado de sua religião como é direito de milhões de membros de outras denominações religiosas desconsiderar o passado da religião delas. Todavia, entendemos que a ignorância do passado inexoravelmente compromete a lucidez da escolha, pois como perdoar se não se sabe o quê? Como avaliar se a decisão que se tomou - às vezes com conseqüências vitalícias - foi acertada se faltaram subsídios vitais para a sua formulação e a fonte que deveria prover tais subsídios, na verdade, obscureceu sua percepção?
Cremos que os fatos aqui expostos têm muito que ver com a vida de cada Testemunha de Jeová e talvez suas graves implicações induzam pessoas sinceras a reconsiderar sua postura diante da religião que abraçaram - até porque, cremos, relevantes fatos que teriam sido incorporados ao processo de conversão delas foram, até a leitura deste artigo, completamente omitidos ou 'pasteurizados' sob uma ótica piedosa e provincialista. Diversas questões - diante do que foi visto - deveriam vir à mente:

  • Teriam as verdades do primitivo cristianismo sido 'revividas' no final do século 19, por meio de uma organização infestada de paganismo, tradições mundanas e símbolos ocultistas?
  • Teria Cristo, ao observar todas as religiões do mundo, no período de 1914 a 1918, escolhido para representá-lo - dentre milhares - justamente uma que ensinava piramidologia, advogava o perdão para demônios, combinava cristianismo com astrologia, celebrava feriados supostamente pagãos, mantinha laços estreitos com a maçonaria e com seus símbolos místicos e induzia milhares a acompanhá-la em suas superstições antibíblicas?
  • Teria o Espírito Santo de Deus 'dirigido' uma organização que professava não ter, desde 1918, a sua iluminação?
  • Teria Cristo mantido sua bênção sobre a organização que o representava, enquanto ela "comia à mesa de demônios", endossando crenças e práticas ocultistas por mais de 50 anos?
  • Se um cristão sincero, tomando conhecimento da existência de tais práticas, 'tropeçasse' em sua fé e rejeitasse à organização, a quem caberia a responsabilidade - a Cristo ou à própria Sociedade Torre de Vigia?
  • Pode uma religião que 'brotou' de tal solo contaminado ser hoje a 'única genuína organização cristã'?
Estas são, certamente questões que merecem a mais relevante consideração. Jó 14: 4 diz: "Quem pode, de alguém impuro, produzir alguém puro? Nem sequer um." Cremos que, ante os fatos, o leitor já tem, por si mesmo, condições para avaliar com lucidez os pontos acima e discernir se a luz pode, afinal, provir da escuridão, pois o apóstolo João dizia:
"...Deus é luz e não há nenhuma escuridão em união com ele." - 1 João 1: 5

Fonte: http://testemunha.cjb.net/


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